13 de janeiro de 2007

LOUCO MESTRE – Osho fala aos seus arcanos (I)


Vários anos se passaram desde a primeira vez em que me deparei com livros e vozes citando Osho. Pra quem não sabe, ele foi e é Bhagwan Shree Rajneesh: o guru indiano que alimentou o coração de seguidores (ou melhor, renunciadores) em todo o mundo. Temido, amado e espiritualmente incorreto. Devido aos seus discursos nada comuns, a identificação com a ideia de renúncia foi clara — fisgou minha atenção e todo o resto.

Tempos depois, enquanto garimpava alguns decks numa livraria, coloco as mãos no Osho Zen Tarot, pintado pela artista plástica Ma Deva Padma que também se embriagou com seus ensinamentos. Desenvolvido ao longo de cinco anos, o projeto fora iniciado com a aprovação do próprio mestre e hoje consiste num belo e enigmático instrumento oracular. A arte da vida em cartas. Nas lâminas, várias representações de seus insights que assustam e encantam buscadores há mais de cinco décadas. Mesmo que sua visita à Terra tenha terminado em janeiro de 1990, a mensagem ainda permanece vivíssima, cada vez mais arrecadando dinheiro. Uma herança espiritual criativa, com metáforas e analogias sempre inovadoras. Não, não é pra qualquer um.


Pois bem, com o maço em mãos, me lembro de suas palavras: Transforme as pequenas coisas em celebração”. Tiro duas cartas e abro um sorriso pela surpresa, O Louco e A Solitude (o tradicional Eremita). Irmãos de Espírito que me jogam aos olhos suas semelhanças.




Ambos estão à beira de um penhasco. O Ermitão — quase sempre parado em terra firme — aqui caminha na escuridão, próximo a um abismo. O Louco, inebriado, deve saber que sua jornada se estende às gélidas montanhas do fundo da paisagem. É lá que se encontra o velho monge, talvez numa caverna fria, iluminada apenas por sua presença. Alongando as comparações, vemos a irmandade entre esses arcanos e os concebidos por Pamela Smith: o dia ensolarado contrasta com os montes nevados do Louco, enquanto o Eremita vê bem onde pisa, mesmo com a lamparina. No topo, puro controle e rigidez.




Esse mundo onde encontramos o velho sábio do tarô Rider-Waite representa o nível de conhecimento que ele conquistara, o qual o Louco ainda tem de alcançar. Ambos os cajados simbolizam o poder, o comando intelectual e espiritual. A dança em direção ao penhasco é contínua, como a experiência que Osho oferece. “Não é esse o caminho para o saber – o conhecimento não é o caminho para o saber.” – contradiz o mestre do primeiro par de arcanos. Questionando-o sobre qual é o caminho, os dois logo escutam: “A admiração. Deixe que seu coração dance maravilhado. Encha-se de admiração: pulse com ela, inspire-a, expire-a. Por que tanta pressa para conseguir a resposta?”


Os Loucos sentem a mensagem. Eles nada esperam, nada planejam. A cabeça diz: “Pense antes de saltar.” E o coração diz: “Salte antes de pensar.” O Eremita e o Louco. A cabeça e o coração, respectivamente. Seu andarilho está aprendendo que “a vida é um fim em si mesmo. Ela não é um meio de se chegar a um fim, ela é um fim por si só. O pássaro em pleno vôo, a rosa ao vento, o sol nascendo pela manhã, as estrelas à noite, um homem apaixonando-se por uma mulher, uma criança brincando na rua... Não existe propósito algum. A vida é simplesmente usufruir dela, deleitar-se com ela. A energia está transbordando, fluindo, sem absolutamente propósito algum.”


E lá vai o radiante bufão, confiante, seguindo até o fim. Uma grande diferença entre os colegas "sem número" é que o de Waite carrega sua trouxa de experiências, enquanto o de Osho leva somente uma rosa branca. A pureza em si, a cor do silêncio absoluto ou ainda da Sabedoria, na iconografia sufi. A mão esquerda vazia despede-se do que viveu. Ou acaba de deixar em terra sua pequena bagagem para distrair o cachorro insistente. Ele quebra o hábito e questiona o todo, corre o risco e continua, pois “ninguém sabe o que pode acontecer. A pessoa deixa de lado tudo o que conquistou; tudo com o que tem familiaridade e parte para o desconhecido, sem nem ao menos saber ao certo se existe alguma coisa na outra margem – ou se existe outra margem.”

De fato, ser louco fere muitas pessoas. “Elas não aceitam a idéia de que você tenha alcançado alguma coisa que elas perderam. Elas tentarão, de todas as maneiras, torná-lo infeliz, tentarão te trazer de volta ao rebanho”. Não é essa a função do animal? Mas o Eremita não quer voltar ao rebanho, mesmo que possa. “Solidão é quando você está sentindo falta do outro”, Osho explica a ele, enquanto sua própria luz o guia. "Solitude é quando você está encontrando a si mesmo”, rebatizando-o então.


“A mente comum sempre joga as responsabilidades nos outros, diz sempre que é o outro quem faz você sofrer”, mas não há culpados, pois ambos estão sozinhos. Seus passados já congelaram, petrificaram no tempo. Aqui não lhes cabe culpar alguém, esse venenoso hábito. Aliás, Osho alerta que, “na verdade, toda malandragem e trapaça deste mundo servem para nos deixar conscientes.” Eis o Grande Rito. Da consciência. À consciência.


“Você está só no mundo: você veio ao mundo só, você está aqui só, e você deixará este mundo só.” A trouxa vazia e a flor à Existência, pois todas as opiniões alheias ficarão para trás; somente os seus sentimentos originais, somente as suas experiências autênticas o acompanharão até mesmo além da morte.” Apenas as qualidades, sem o peso sobre o ombro.



Osho como o nono arcano de Waite

Pura maturidade, que não tem nada a ver com a tal rigidez. Ao contrário, ela deve traduzir a flexibilidade que o Louco possui, assim como o Eremita carrega a loucura. São os únicos opostos, as únicas qualidades que devem se mesclar. É a troca possível. A vida alheia nunca lhes interessa, pois vislumbram que “a causa da infelicidade está no apego que temos aos outros, na expectativa em relação aos outros, na esperança de ganhar felicidade dos outros.” Sozinhos por opção, não por sina. Nem missão.


Quanto à vida de Osho, várias situações remetem aos dois arcanos, como o fato de jamais conseguir se relacionar profundamente com alguém desde a infância. Sobre a perda seus avós, as pessoas que mais amou, revela que "a condição era de total escuridão. Era como se eu tivesse caído no fundo de um poço escuro. Naquela época, eu sonhava muitas vezes que estava caindo, caindo, e entrava cada vez mais num poço sem fundo. Ficam nítidas as semelhanças com as lâminas: "Não havia mais nada além da escuridão e da queda, mas aos poucos fui aceitando até isso. Senti muitas vezes que precisava concordar com alguém, devia me segurar em alguma coisa ou aceitar qualquer resposta, mas isso não estava de acordo com minha natureza. Nunca fui capaz de aceitar o pensamento de ninguém.”


Esse louco pulou. Esse velho tornou-se iluminado. E ambos jamais ouvirão os outros. Caso contrário, a loucura e a maturidade estariam perdidas. “Essas qualidades são suas únicas companheiras. Elas são os únicos valores verdadeiros, e as pessoas que as alcançam, somente estas vivem. As outras fingem viver.”


A jornada continua.

As semelhanças e os diálogos também.


L.




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Santo Mestre: Osho fala a seus arcanos II