17 de outubro de 2009

A MULHER E O LIVRO


Woman Reading, 1890. National Media Museum, Kodak Gallery



Me desculpem os high-techs, mas A Papisa tem um livro no colo. Precisa dele. E o que há naquelas páginas? Pouco importa agora. O que vale é saber do objeto. O que vale é o livro.

Bibliotecas, salas de leitura, livrarias e sebos são alguns dos meus lugares favoritos. O universo do livro me atravessa. A imagem, os formatos, as capas, os miolos. E mulheres lendo, além de um vasto primor no mundo das artes plásticas e da fotografia, sempre agradam aos meus olhos. Sou suspeito — no baralho, eu pego a tal sacerdotisa, sempre ornada com luas aos pés e turbantes enfeitados, e dirijo a visão direto às suas mãos. O livro, o livro.



Tarot de Paris,  século XVII



Nas antigas imagens medievais e renascentistas, vejo ornamentos e detalhes essenciais aos pintores que as conceberam. Giotto e tantos outros sabiam que o livro emprega um simbolismo mais complexo que um vaso de flores, que geralmente tinha a intenção de honrar uma cidade, por exemplo. Uma pessoa lendo um livro, de qualquer idade e em qualquer situação, não só descreve como aumenta a sua grandeza. Repare. A sabedoria impressa é sedutora. Se um livro te comove porque é toca na sua humanidade. Apruma a visão e sofistica a manutenção da vida.

Em Florença, pude ver a grandeza do livro em inúmeras telas. Algumas de forma exagerada, com grandes calhamaços próximos às damas e em outras de maneira discreta, como no caso de Simone Martini em sua Anunciação: a Virgem talvez mais sábia que o arcanjo lhe trazendo o ramo de oliveira. Alguém lendo ou ao menos portando um livro cria metonímias nas quais o leitor passa a ser pincelado pelas páginas, tomando o cenário por essa simples atitude. 





A Anunciação, 1333. Simone Martini. Galleria degli Uffizi - Florença, Itália.



A Papisa, sabemos, não está voltada às paginas no momento da foto primordial do Tarô. Ela acalenta o livro. Tem domínio sobre ele porque é uma extensão de si própria. Essa mulher pode muito bem ser uma fidelíssima servidora da Sabedoria, antiga deusa destronada e sempre oculta no raciocínio dos verdadeiros simples e pretensos eruditos. A donzela, a mãe e a anciã do arcano II dialogam, meditam sobre e comungam com Ela. 

Assim como tantos gostariam de saber de fato qual livro Hamlet segura, eu gostaria de saber qual é o livro da grande bruxa dos Maiores. Se bem que pouco importa, confesso. E não me venha com a Torat ou o Yin-Yang de Wirth. Palavras, palavras e palavras, Polônio. A leitura é sagrada, eu sei. Mas A Sacerdotisa é o livro, mais que sua fé, suas intimidades e seus sacramentos. E se está logo no segundo quadro desse museu nômade da vida, é porque a dica está bem clara. Basta lê-la.





Marilyn Monroe por Elliott Erwitt, 1955



Aliás, o simples saber, querer, ou tentar ler nos confere um pouco de Papisa. Todos que se sentam confortavelmente (ou nem tanto) para degustar algumas páginas herdam o ritual silencioso do arcano. É exatamente isso que a torna imortal entre as côrtes e as alegorias vizinhas. E ao redor se engendra o silêncio, a mais bela canção do mundo. 

Boas leituras.



L.

8 de outubro de 2009

A(S) NOVA(S) CARTADA(S) DE MUTARELLI



E lá fui eu, na última terça-feira, até a Livraria da Vila da Fradique em São Paulo: lançamento de Miguel e os Demônios, novo livro de Lourenço Mutarelli - autor e ator de O Cheiro do Ralo. Foi também o relançamento de O Natimorto pela Companhia das Letras, romance - ou musical silencioso - em que o personagem associa as imagens dos maços de cigarros às cartas do tarô.

Conversei com ele sobre o oráculo e ele me revelou: "estudei bastante o tarô pra escrever e desenhar O Dobro de Cinco", graphic novel lançada pela editora Devir e vencedora do prêmio HQ Mix. ''Comecei a ver os cartas em tudo, na rua, nas imagens. É fantástico o poder desses arquétipos''.


O que me impressionou, além de Mutarelli também sofrer dessa mania, foi o mais que perfeito trabalho gráfico das edições, que agradam de verdade. Não deu tempo de falar que o livro, de certa forma, é um marco na literatura do tarô por dar a ele destaque e importância na sua trama genial. Mas tudo bem, isso eu deixo para as futuras resenhas.

Valeu, Mutarelli.
Sucesso.


L.


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5 de outubro de 2009

MATISSE,TAROT E FOTOGRAFIA EM SÃO PAULO


Matisse desenhando uma odalisca
, 1928.
Museé départemental Matisse, Le Cateau-Cambrésis.

Domingo é sempre dia de descanso, de passeio, de sol. Nessa onda de fotointerpretações se destacando em Salvador, arrisquei um novo poema. Acordei meio artista [e sei que isso não passa] e me programei pra visitar a Pinacoteca da estação da Luz. Matisse Hoje, mais uma exposição do convênio Ano da França no Brasil, vem ilustrar a programação artística do nosso país. Perfeito.

Um dos meus favoritos, ao lado de Van Gogh e Frida Kahlo, Matisse encanta fácil. Nessa mais que merecida mostra individual, que traz inúmeros de seus trabalhos, destaca-se Jazz. É nesse livro de recortes e colagens animados com guache que Matisse traduz os jogos de sons ritmos desse estilo musical. Completo por experimentar as artes visuais e plásticas em vários formatos e modalidades, Matisse se destaca por beber de fontes importantes como Cézanne e por adotar o Fauvismo como chave e motivo da sua riqueza de detalhes e cores. Chega a oferecer influências para a decoração e a inspirar os amantes do espaço harmonizado por móveis, plantas e tecidos.


Capa do livro Jazz, de Matisse.

Disponível para apreciação na Pinacoteca.

Por falar em inspiração, é impossível deixar passar batido o meu apreço por suas pinturas e também pelas fotografias de sua casa e de suas oficinas. Acabei lendo as imagens e associando-as à minha galeria interior, onde estão expostas grandes painéis de arcanos e suas mil combinações. E eis que na internet, fui assegurar que uma imaginação é realidade: um tarot de Matisse.


Matisse Tarot, de Jason Long. Tiragem limitadíssima.

Mas descendo as escadas da mansão , dou de cara com as exposições permanentes. Entre as fotografias de German Lorca, encontro as do português Fernando Lemos. É aí que o tarot se materializa depois de meus passeios pelos bosques de tinta e papéis combinados.


Auto-Retrato, 1949-1952

Um retrato do Pendurado, uma mesa com café e cadernos de desenho, lapidações de Brecheret e a imponência arquitetônica e artística de dois séculos: perfeito para um domingo perfeito. Olhos abertos, livres e repletos de matizes.

Leo






MATISSE hoje | aujourd´hui
Pinacoteca do Estado de São Paulo De 5/09 a 1/11
Aberta de terça a domingo das 10h às 17h30 | permanência até as 18h.
Ingressos: R$6,00 e R$3,00 (meia). Grátis aos sábados.

www.pinacoteca.gov.br