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28 de janeiro de 2012

DESCOBRINDO E ENCARANDO A SUA NÊMESIS

Eu tenho a intuição, Aramis, de que os monstros
são as tentativas mais puras do Universo.
«Olha-os, e não os mates.»

Maria Gabriela Llansol



Galeria Real: de quem você mais gosta?
E de quem não gosta nadinha?


Bom, jogo rápido. Ando aprimorando um exercício que considero absolutamente importante para lidar com as cartas da Corte e também para traduzi-las em nós mesmos: a escolha do Arcano Significante. Vi pela primeira vez a menção há alguns anos no livro Understanding the Tarot Court*, assinado por Mary Greer e Tom Little, publicado pela Llewellyn. Embora seja apenas incentivada a escolha do Arcano Sombra, decidi ir mais a fundo na ideia de perseguição desse arcano indesejado e confesso que tem sido revigorante entrar em contato com o melhor e, principalmente, com o pior de mim. Incorporar o mais inofensivo ou insignificante [termo inevitável] integrante da realeza é um exercício de reflexão e transformação quase instantâneo. Bem apropriado para leigos e tarólogos.

Pegue o tarô que você mais gosta e retire as 16 cartas reais do resto do maço. Disponha e organize todas elas com as faces para cima, de modo que você possa ter um panorama bem nítido do mosaico de personalidades.

Esqueça as posições, os cargos, as nomenclaturas e até mesmo o gênero. Escolha a pessoa que mais lhe atrai, a carta que mais lhe "chama" neste momento. Este é o seu Significante, ou seja, o arcano que muitos usam em leituras para representar o consulente. Mas por que este arcano específico? Pronuncie suas qualidades e o motivo por tê-lo escolhido.

Agora escolha a carta que você MENOS gosta, a mais desinteressante, sem graça. Feia, até. E atenção aos motivos. Profira a razão por tê-la escolhido. Pronto? Esta carta é sua Nêmesis.


Nêmesis, pintura do romeno Georghe Tattarescu (1820-1894).

Nêmesis? Sim, a deusa grega da indignação, famosa por atributos mal dignificados. Apesar de vir da estirpe dos deuses trevosos, vive no Olimpo figurando a vingança divina. Filha de Gaia e irmã de Têmis, foi criada e educada por Cloto, Láquesis e Átropos, as famosas Moiras. Enquanto Têmis vem a ser a personificação da ética, Nêmesis acaba sendo a da vingança. Em outras versões do mito, difundidas por publicações neopagãs, por exemplo, Nêmesis surge como Adrasteia, a inevitável, por ser a divindade da retribuição.

Na obra O Livro e o Baralho Wicca*, de Sally Morningstar, a deusa aparece retratada como a portadora das lições, cuja visita (o surgimento da carta em alguma leitura) sugere que o leitor está tendo suas atitudes e intenções observadas por ela. A representação é agradável e até serve ao propósito: Nêmesis é o arcano que lhe persegue. O que você evita ver no espelho e jura de pés juntos que não tem nada a ver com você. As baixarias do show, as manchas no seu currículo interno.


Nêmesis pintada por Danuta Mayer
integrante do Baralho Wicca, de Sally Morningstar.


Face your fear! Fazendo uma menção bastante digna [pelo menos para quem gosta de videogames e filmes de monstros], Nêmesis é a máquina mortífera que persegue a policial Jill Valentine por Raccoon City que por sua vez persegue zumbis. Não há escapatória a menos que a moça encare de vez a criatura programada para destrui-la. A referência a Resident Evil foi inevitável também. Até porque jogos eletrônicos reconfiguram alegorias e instauram mitologias entre gráficos renderizados e o deleite constante do expectador.

Na verdade, esse sério trabalho com a sua personalidade ilustrada pela Nêmesis demonstra responsabilidade para com sua própria sombra. Bem-aventurado o que enfrenta a horta de desagrados internos, não? O modo como você aborda esta carta é crucial para reconhecer comportamentos absurdamente perversos e também algumas atitudes ridículas que podem ser transmutadas por meio de uma postura cada vez mais coerente com o seu autoconhecimento. Conviva um pouco com a sua Nêmesis. Indo além da ignorância você pode achar o antivírus para os padrões mais nocivos de existência. Refletir é a matéria e o ofício principal dos arcanos. Ainda mais quando é a sua imagem nesses espelhos.

Enfrente[-se].
E bons sustos,


L.





*
GREER, Mary K. LITTLE, Tom. Understanding the Tarot Court.
Special Topics in Tarot. Llewellyn, 2004.

MORNINGSTAR, Sally. O Livro e o Baralho Wicca. Ilustrações de Danuta Mayer.
São Paulo: Editora Pensamento, 2002.

5 de outubro de 2011

SOBRE A NATUREZA DA LEITURA

“Everyone probably thinks that I’m a raving nymphomanic,
that I have an insatiable sexual appetite, when the truth is I’d rather read a book.”


Madonna


'Madonna reading books' em montagem minha sobre moldura do Thoth Tarot, AGMuller, 1986.


De um e-mail recebido ontem:
"Quero MUITO aprender tarot. Mas tenho que ler muita coisa?"

Sim, tem MUITA. E vai ter sempre. Mas se você tem preguiça de ler, não se aproxime do tarô. Feche esse blog, inclusive. O maquinário do Tarot é a leitura, não um raio divino sobre as figuras que lhe concede a honra de falar sobre o passado e o futuro das nações ou sobre os rumos da vida alheia. Quando consultamos, lemos os movimentos dos arcanos, o que se pode fazer, para onde se pode ir e como se posicionar frente a essas possibilidades. A combinatória é articulada porque a leitura é crucial, justamente. Eis o alimento da metáfora. O primeiro passo para qualquer leitor (!) de tarô.

Aliás, decorar um livro ou apenas esquematizar um quadro com os atributos-chave de cada arcano não faz de ninguém um leitor. Quem memoriza alguns poucos significados não possui habilidade o suficiente para realizar uma leitura profissional. Aliás, só na posição de consulente é que se sabe do poder do tarólogo, como bem disse minha amiga Zoe de Camaris outro dia, durante uma inspirada conversa sobre livros. É ali, diante dos espelhos que são as cartas, que a leitura se dá. Eterna arena. As provas de sucesso ou fracasso são do cliente, daí.


Statue reading - tumblr

Enquanto você encarar a leitura dos livros como algo tediante, chato, cansativo, difícil ou mesmo dispensável, lhe peço: não se aproxime do tarô. Pelo menos por ora. Há bastante a se fazer por esses mares virtuais. Só lembre que para falar com propriedade você precisará da leitura. Certo refinamento é preciso. Mas antes o letramento simbólico, por favor.


Né?

E esse é só um começo sobre uma série de reflexões sobre o poder da leitura - a primeira e eterna premissa para toda e qualquer resposta que você deseja obter por meio das cartas. O gozo da analogia. Até porque o oráculo não tolera o leitor perverso, sedento de um poder tal sobre a narrativa que se tece a cada lâmina virada, mas que no fundo nunca pensa no mecanismo dos signos. Insignificante. Esse sempre cai na breguice. Naquele esquisoterismo que paga de fino. Sai um patchwork de auto-ajuda infalível e logo desaparece, thank Gods. Quem não se rende à palavra não se liberta na imagem.

Tarô, ou tarot, ou tarocchi, é uma biblioteca que é um labirinto de espelhos que é infinito. Em possibilidades e em significados. A educação pelos olhos é que configura o homo ludens. Apreensão, interpretação e reflexão compondo um equilátero, talvez. Fiquemos então com essa ideia: a da Mãe dos Livros, a soberana das páginas. Paredes projetadas de dentro pra fora.


Jean Noblet

Já volto com os patronos.
Boas leituras por aí,


L.

6 de setembro de 2011

O CAMINHO DA AUTOCONFIANÇA

Ontem a minha querida editora do Personare escreveu aos colunistas da Revista pedindo sugestões de artigos sobre autoconfiança. Fiquei pensando no meu instrumento de trabalho, nessa parte indivisível que me é o tarô e matutei sobre o tal conceito. Autoconfiança? De onde vem? Embaralhei os 78 arcanos e pedi, com toda a clareza possível, que o arcano MAIOR que a representa emergisse do leque. Veio O LOUCO, para o espanto de muitos e para o meu sorriso interno. Em dois tempos redigi o artigo e ele já está publicado AQUI. Depois, passeando pela minha biblioteca, me deparei com a Rachel Pollack no seu maravilhoso Tarot Wisdom - Spiritual Teachings and Deeper Meanings, editado pela Llewellyn. Nele ela propõe um rápido método de leitura especialmente baseado no famoso Arcano Sem Número, bem eficaz para elucidar os pontos em que ele surge em nosso caminho. Vamos jogar? Sugiro manter o arcano em questão acima, como se fosse a posição 0 do jogo. Embaralhe os 21 ou os 77 restantes. Ou então permita que o Louco esteja no maço para que ela possa surgir em alguma das posições e ressaltar o seu poder de reflexão. Você escolhe. Disponha os arcanos na ordem numérica [naturalmente] em coluna, de modo que a última casa seja o caminho, os pés do Louco: as dádivas que as andanças proporcionam.


1. Como tenho sido um Louco na minha vida?


2. Como é que isso me ajudou?


3. Como é que isso me machuca?


4. Em que área da minha vida eu preciso ser mais Louco?


5. Onde é que o Louco não me serve?


6. Onde é que eu posso encontrar o Louco fora de mim?


7. Que presentes ele me traz?


O tarô, enquanto extensão do tarólogo e do consulente, é também o próprio caminho caleidoscópico que ele propõe. Variado, polissêmico. Um verdadeiro RPG. E quem o ministra firmemente, creiam, é o Louco. Íntegro em sua sabedoria maltrapilha, fiel às suas capacidades. Lembrei de Joseph Campbell, sempre maravilhoso, que afirmava aos seus estudantes: Follow your bliss. Seguir a nossa bem-aventurança é o único caminho que, além de ininterrupto, nos leva aonde temos que chegar, de verdade.

Aproveitem esses presságios.
Eles são fantásticos para o próprio crescimento até chegarmos a mestres de nós mesmos.



Uma grande jornada,



L.



* o artigo na REVISTA PERSONARE
TAROT E O CAMINHO DA AUTOCONFIANÇA - Exercite sua capacidade de conseguir o que deseja com o arcano O Louco


* crédito das IMAGENS
The Fool - Morgan-Greer Tarot - www.taroteca.multiply.com
The Wanderer - The Wildwood Tarot - the wildwoodtarot.com

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4 de setembro de 2011

ARCANO TALISMÃ #1







Tem gente que ouve o meu nome

Gravado em rajada de vento


Porque furacão e ciclone


Me servem de cama e assento.









Paulo César Pinheiro | Atabaques, Violas e Bambus, Editora Record, 2000.
Cavaleiro de Espadas
| The Aleister Crowley Thoth Tarot, AGMüller, 1986.


Parte do projeto 'Tarô, Magia e Cultura Popular', em desenvolvimento.

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19 de maio de 2011

FRAGMENTOS DE UM TRATADO DE LEITURA DE IMAGENS

ou Impressões de leituras de um tarólogo esboçadas num moleskine velho.



[...]

É preciso dar-se conta de que somos criaturas de imagens. Seres de figuras. As imagens nos informam, assim com as histórias. Elas são a matéria da qual somos feitos.


Se as narrativas existem no tempo, as imagens se constatam no espaço.


O tarólogo sabe que as imagens se apresentam à sua consciência por meio de uma moldura, que é sempre uma superfície exclusiva em o milagre da leitura acontece. Ler uma imagem é imbui-la de um caráter estritamente temporal que é o narrar.


Essas imagens exercitam o intelecto. É um caminho para a inteligência do mundo, ou seja, para uma concepção menos assustada da realidade e da fantasia, mas não menos encantada.


O passado e o futuro, então, é uma ampliado através das limitações da moldura, que é também o portão, o ponto de partida.


O compromisso com as imagens é o da interpretação. É ele que espelha a ética do leitor, a índole da sua função, o coração do caminho que o leitor escolheu trilhar com os olhos.


12 de fevereiro de 2011

A ARTE DE MANEJAR COLUNAS E LEÕES


The Force - Waite-Smith Tarot

Não existe arcano melhor ou pior, nem mais fraco ou mais forte. Existe o poder de cada um que nos toca de acordo com a nossa leitura de mundo. Com a nossa poesia pessoal. Tenho descoberto n´A Força uma grande aliada para solucionar problemas, sabe? Uma espécie de feiticeira que coloco em prática mentalmente. Dependendo do humor do leão, o olhar dela furta toda a atenção e joga o encantamento. Aí está feito. As mãos hábeis na mandíbula, as pupilas no alvo. Eis o controle. Coragem, palavra de ordem aqui.
La Force - Gringonneur
Outro dia, ao telefone com meu amigo Nei Naiff, conversamos sobre o que há de obrigatório para se ver sobre Tarot em Paris, já me programando pra viagem. Anotadas as dicas, me peguei questionando qual era mesmo aquele baralho em que O Louco é gigante e faz malabares e que a Força não tem leão, mas uma coluna – representação de uma das Virtudes cardeais, sempre presentes. Aquele que a LoScarabeo lançou com o nome de Tarot of the Renaissance, com bordas douradas e frufrus. Charles VI, outro nome famoso dele. “É o Gringonneur!”, bradou o Nei, “é o que chamam de Gringonneur”, e tudo me veio à mente. Passada a amnésia, fiquei com a A Força na cabeça. A coluna havia se quebrado há alguns dias, mais precisamente na minha resistência, quando passei por umas experiências nada agradáveis com mudança de casa e trâmites de fim de contrato. O arcano da vez, saquei, era mesmo A Força, exigindo de mim uma posição física e mental voltada totalmente para a ação. Mesmo com a gripe [a exemplar reação ao medo da mudança, segundo os metafísicos da saúde] mais forte que já peguei, temperada com nervosismo e uma longa viagem até a cidade em que eu estudo, comecei a mudança de casa e a mentalização da carta – plasmando na minha mente o sorriso indiferente da dama diante dos meros detalhes do cotidiano e assimilando toda a destreza necessária para concluir os compromissos sem tanta alterações de humor – e de saúde, né? Mimetizar o esforço da domadora, curvar-se para arrastar móveis e carregar livros a coluna da vez – para tomar consciência do meu corpo e do meu estado mental diante dos problemas e também das novidades. Uau, espelhar as lâminas é uma técnica mágica. O feitiço possível da imagem.
Tarocchi di Mantgna - FORTEZA XXXVI
Hoje, uma semana depois, sarei dos olhos vermelhos e da coriza: aceitei a minha vulnerabilidade. Percebi, compreendi e imitei internamente a serenidade que existe nos olhos daquela feiticeira de leões; a firmeza dos olhos tranqüilos daquela dama de véu negro, ciente de que o peso do pilar depende do quanto ela acredita que pode agüentar. Entendi que acreditar somente no que desejamos ou tememos não é muito saudável. O que vale é penetrar no caos e mostrar as garras. Assim resolvi todas as burrocracias junto de pessoas queridas e já não penso “ah, tá louco, não quero nunca mais passar por isso”, mas sim “ótimo, eu consegui. Agora extraio sabedoria dessa situação para enfrentá-la com toda a coragem se algo parecido ou pior me acontecer”. Aprendi a ter segurança diante da incerteza e do improvável. Enaltecer sincera e coerentemente a magia pessoal é opção e responsabilidade cada um. Por isso o trabalho com o arcano felino já faço há anos, mas sob a égide da virtude começo agora. Em mãos o meu Tarocchi di Mantegna.

Um beijo corajoso aí,
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L.
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P.S.: Nei, vi o link do Renaissance da Lo Scarabeo que você mandou, mas eu queria mesmo é uma réplica do original. Nada bobo eu, né?
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IMAGENS | galerias do Clube do Tarô. Aliás, clique aqui e saiba mais sobre o Gringonneur que não é o Gringonneur.

4 de fevereiro de 2011

TRABALHANDO COM O JULGAMENTO




Há alguns dias recebi um e-mail bastante verdadeiro de uma leitora.
Clara* é mãe de dois filhos, trabalha e não tem marido. Comentou do contato com o Tarot e com a Astrologia que mantém há 20 anos, do jogo de cintura para dar conta do trabalho e da doença do filho e ainda da dificuldade em se abrir para um novo romance, uma nova empreitada pessoal. Para entender melhor o momento, Clara escolheu um arcano. Veio O JULGAMENTO. Alegou que não tinha encontrado muita coisa aqui no Café e me pediu algumas palavras para meditar um pouco.

Pois bem. O Julgamento. Desde 2005 tenho desenvolvido uma prática bastante eficaz para o treinamento da intuição: O TRABALHO COM O ARCANO, ou DIÁLOGO COM O ARCANO. Nesses seis anos pude vislumbrar a pluridimensionalidade de cada um por meio da conversação e da meditação, ouvindo as vozes e as mensagens tão certeiras e precisas. Mas sempre, claro, com os pés no chão. Sem nenhum tipo de devaneio esquisotérico que me jogue longe da coerência simbólica e pessoal. Aliás, incoerência é o que tenho visto por aí com a maioria dos interessados no assunto se mostrando verdadeiros consumistas de baralhos bonitinhos e diferentes, abarrotando as redes sociais com informações vazias e achismos sobre o que um arcano faz ou deixa de fazer. Mas isso é outro assunto.

Surgite ad judicium. É prudente trazer o arcano pra você, Clara. Mesmo já respondido o seu e-mail, fiquei pensando que a sua experiência com o Tarot poderia lhe ajudar a entender melhor o que este arcano escolhido exige de você e também o que ele lhe oferece. Primeiro, analise a imagem. Para "abri-la", é preciso familiarizar-se com ela. O trabalho começa quando você se dispõe a lê-la, a ouvi-la. Como um livro repleto de figuras, em que a narrativa está plasmada nas cores e formas. Pense num arcano isolado como uma página crucial para o entendimento do livro.

O que vem primeiro à mente? A imagem fala, o que você ouve?

Intuitive Tarot, Cilla Conway.

O Renovador, o Renascimento, o Juízo... Anote tudo o que a figura está mostrando e parta depois para o que você sente, que é um passo da interpretação. Ela exige, num primeiro momento, uma postura emocional ainda mais forte e confiante de que tudo pode ser extremamente positivo e diferente daqui pra frente. Você acredita em você? Então está na hora de reconhecer e respeitar a sua intuição. Respire fundo sempre que tiver alguma folga. Sinta o seu corpo. Sinta o seu coração batendo. Atitudes simples como essas lhe ajudam a redefinir contato com você mesma. Sem esse contato, sem aceitar a si mesma, incondicionalmente, nada funciona bem. Reconheça o seu corpo, aceite o amor e abrace as novidades. Unir o Céu e a Terra: um equilíbrio possível entre adversidade e descanso, prazer e esforço. É o que O Julgamento lhe traz de início.

O TRABALHO COM UM ARCANO é uma técnica poderosíssima de diálogo, de interação e sobretudo de humildade diante dos arcanos como mestres. Lá na
Revista tenho mostrado a intrínseca relação entre a imagem e o leitor, que somos nós - tarólogos ou consulentes. É importante também, durante uma consulta, deixar que a pessoa veja e/ou toque as cartas escolhidas, mesmo se não tiver nenhum conhecimento do assunto e estiver interessada apenas nos resultados. É difícil tentar definir a variedade de efeitos que uma imagem pode surtir no inconsciente humano, mas o contato é sempre necessário. É assim que podemos perceber nossas próprias fábulas e nossas alegorias mais secretas sobre nós mesmos. A sabedoria e a bem-aventurança vêm daí.



Sei que a mensagem foi positiva para você, Clara. Continue com ela. Um arcano é inesgotável, como a vida em todas as suas páginas. Com o maior respeito e gratidão, desejo que o seu caminho seja repleto de significado e verdade.

Leo



__________________________
* Nome fictício.

20 de setembro de 2009

O PENSAMENTO TAROLÓGICO de Alejandro Jodorowsky


Jodorowsky com as cartas de Marilyn Manson na mesa.


Meus longos anos de contato com o tarô me ensinaram novas formas de captar o mundo e o outro, permitindo que a intuição dance com a razão, amalgamando-se no que é chamado de “Pensamento Tarológico”. Os arcanos têm múltiplos significados que vão do particular ao geral, do evidente ao incomum. É necessário conceber cada arcano como um conjunto de significados. Estes significados adquirem maior ou menor importância de acordo com o sistema cultural de quem as interpreta.



Na realidade, cada ser humano é um arcano. Por mais que vivamos junto a alguém durante toda a vida, não podemos afirmar que o conhecemos muito bem ou por inteiro.



Estamos habituados aos seus pensamentos, sentimentos, desejos, gestos e atividades rotineiras, mas basta qualquer acontecimento extraordinário (uma enfermidade, uma catástrofe, um fracasso, um êxito) para que vejamos nesta pessoa os aspectos inabituais que nos surpreendem de forma positiva ou dolorosa. Parte da realidade é o que pensamos que é a realidade. Parte da personalidade do outro é o que projetamos nele. Os defeitos ou qualidades que vemos nele são também nossos. Estes inesperados comportamentos com que o mundo e o outro nos surpreendem causam reações que dependem totalmente do nosso nível de consciência. Num nível de consciência pouco desenvolvido, toda mudança nos assusta, nos fazem desconfiar, fugir, paralisar, enraivecer ou mesmo atacar. Uma consciência desenvolvida aceita a mudança contínua e avança confiante, sem metas, gozando da existência presente, construindo passo-a-passo a ponte que atravessa o abismo. O primeiro obstáculo que tive de vencer para oferecer leituras de tarô que fossem legíveis foram as antipatias e as simpatias. Cada habitante do nosso mundo representa um ponto de vista distinto, novo, que não existia antes de seu nascimento. Algo original, único. Quando morre alguém que amamos, sentimos que o universo inteiro se esvazia. Seja quem for o consulente, ele merece que o respeitemos como uma obra divina que nunca mais voltará a se repetir, com a possibilidade de deixar no mundo a sua marca, a semente de um bem desconhecido.



Não existe tarólogo impessoal. Todo tarólogo está marcado por uma época, um território, um idioma, uma família, uma sociedade, uma cultura.



Assim como na literatura o romance deixou de ser narrado por um escritor-testemunha – considerado um deus, que deixa acontecer sem intervir e nem ser afetado – para chegar a ser contado por um personagem intimamente ligado aos acontecimentos, um ator a mais na trama. Na leitura do tarô, tive de dar o mesmo passo: de nenhuma maneira suportei a idéia de me colocar na posição de vidente que conhece o passado, o presente e o futuro do consulente, observando-o de uma altura mágica, impessoal, emprestando minha voz a entidades de outro mundo. Sendo os arcanos telas de projeção, era necessário que eu desse conta de que tudo o que via nas cartas estava impregnado da minha personalidade. Não podendo me livrar de mim mesmo, perguntei: “quem sou eu quando leio o tarô? Meu pensamento é masculino? É latino-americano? É europeu? É adolescente? É maduro? Minha moral é judaico-cristã? Sou crente, ateu, comunista, servidor do regime estabelecido? Dou-me conta das características da minha época?”



Foto publicada no livro "Castelli di Carte", pela editora italiana Feltrinelli.


Para chegar a uma leitura útil, me dei conta de que, não podendo desprender-me da minha personalidade, teria de “trabalhá-la”, lapidá-la até chegar à essência. Prometi que não iria ceder aos modismos e não cair nas ciladas de nenhuma tradição e de nenhum folclore. Observei com atenção minha visão do mundo e, com todas as minhas forças, tratei de mudar minha mente masculina aceitando a feminina para então fundi-las até chegar ao pensamento andrógino. Nasci no Chile, me formei no México e na França e, interiormente, deixei de ter nacionalidade, chegando a me sentir cidadão do cosmos. Isso me ajudou a perceber os meus limites enquanto ser humano. Minha consciência não era mais prisioneira de um corpo mineral, vegetal ou animal; era a essência do universo inteiro, o qual permitiu me colocar no lugar não só das outras pessoas, mas também dos objetos. O que sente meu gato, esta árvore, o relógio que trago no pulso, o sol, os transeuntes por onde ando, meus órgãos, vísceras etc.?

Neste trabalho de desprendimento e refinamento, perdi não só a nacionalidade mas também a idade, o nome, os rótulos de “escritor, cineasta, terapeuta, místico” e tantos outros. Deixei de me definir: nem gordo, nem magro; nem bom, nem mal; nem generoso, nem egoísta; nem bom, nem mau pai; nem isto, nem aquilo. Também deixei de pretender realizar metas ideais: nem campeão, nem herói; nem gênio, nem santo. Tratei de ser, com todas as minhas forças, o que eu sou. Deixei de me ater apenas a um idioma e desenvolvi um amor e um respeito por todas as línguas, ao mesmo tempo em que me dei conta de que as palavras que não chegam à poesia se convertem em problemas. Acredito que a raiz de toda doença psicossomática é um conjunto de palavras ordenadas em forma de proibição. Impor uma visão é proibir outras.

O universo não tem limites e funciona com um conjunto de leis que são diferentes, às vezes contraditórias, em cada distinta dimensão. Quanto mais expandia meus limites, mais via os limites dos outros. Hoje em dia, quando leio o tarô, quase me converto em “tu” – me sento frente ao consulente como um céu azul que recebe a passagem de uma nuvem. Na verdade, não lemos o tarô para compreender o outro. O dia em que o compreendermos por inteiro, desapareceremos. Creio que, na realidade, o nosso verdadeiro consulente é a morte. Tratamos de entendê-la, pois quando morrermos, ou seja, quando formos ela própria, nos dissolveremos, por fim, na Verdade.



Nenhum tarólogo pode dizer a verdade. Pode apenas dizer sua interpretação da verdade. Quando se lê o tarô, nada se sabe.



Ele lê para compreender, por isso deve continuar lendo mesmo que não compreenda o que vê. Como toda interpretação é fragmentada, a abundância de interpretações faz com que o consulente chegue ao conhecimento de si próprio. Não existem perguntas insignificantes. As perguntas superficiais ou as profundas, as inteligentes ou as simples têm igual importância: posto que as interpretações de cada arcano sejam infinitas, o valor da pergunta dependerá não de sua qualidade, mas da qualidade da resposta do tarólogo. Dei-me conta de que compreender o que eu via era uma ilusão. Para compreender algo, na verdade eu teria de decifrar o que é o universo. Sem considerar o todo, é impossível saber com certeza o que é cada uma de suas partes. O consulente não é um indivíduo isolado. Para saber quem ele é, o tarólogo deveria conhecer sua vida desde o momento em que nasceu, a vida de seus irmãos, pais, tios, avós e, se possível, de seus bisavós. Além disso, saber qual educação recebeu, conhecer os problemas da sociedade em que viveu, os arquétipos e a cultura que formaram sua mente.

Sendo impossível captar a totalidade do outro, é impossível também julgá-lo.
A positividade ou a negatividade de um acontecimento não pertencem ao fato; são apenas interpretações subjetivas. Em respeito ao consulente, é preferível buscar sempre a interpretação positiva. Um tarólogo não deve comparar seu consulente com outras pessoas que se parecem física ou emocionalmente com ele. Comparar, com uma maneira de definir, é uma falta de respeito às diferenças essenciais de cada ser.
O consulente pode não conhecer a si mesmo e na maior parte das vezes ignorar as influências que recebeu de sua árvore genealógica. Se conhece um só idioma, se não viaja a países longínquos, se não estuda outras culturas, se nunca imobilizou seu corpo para meditar, se entre fazer e não fazer prefere não fazer, refugiando-se pelo medo do fracasso em experiências novas, seu inconsciente se apresenta não como ele é – um aliado –, mas como um mistério inquietante, um inimigo. Nunca saberá qual é a base real do que pensa, sente, deseja ou faz. E durante a leitura que suas perguntas, por mais superficiais que possam parecer, ocultarão processos psicológicos profundos. “Devo ir ao salão de beleza cortar o cabelo ou mudar de penteado?” Pergunta muito simples, aparentemente frívola, que sem dúvida pode render uma resposta profunda.

Se fosse apenas o que dizem as palavras, que necessidade teria a pessoa de ser aconselhada pelo tarô? Bastaria discutir com ela uma decisão a respeito. Mas também se poderia saber que com este corte ou troca de penteado, a consulente estaria expressando seu desejo de mudar de vida, abandonar a solidão ou, pelo contrário, terminar uma relação. Poderia também, sob outro aspecto, iniciar novas experiências, buscar reconhecimento, indicando que há insatisfação consigo mesma ou o descobrimento de novos valores que a obrigam a se desvencilhar de uma antiga personalidade.
O tarô nos ensina a respeitar todas as perguntas: cada uma delas significa uma



oportunidade de aprofundar o conhecimento de nós mesmos para vivermos plenamente como uma pedra preciosa nesta jóia que é o tempo presente. A maioria dos consulentes não se sente como algo ou alguém que “é”, mas como algo ou alguém que “será”. Toda generalização é ilusória. Os acontecimentos não são nunca similares. Quando se põe um frente ao outro, como exemplo, aquele que o cita emite uma concepção pessoal.

Para cada indivíduo, o outro é diferente. O outro, sendo parte de um todo infinito, por mais impossível de definir ao ser captado e interpretado por nós, recebe os limites que correspondem ao nosso nível de consciência. Este outro é uma mescla do que ele aparenta e do que lhe conferimos ao convertê-lo em nosso próprio reflexo. As qualidades que vemos nele, assim como seus defeitos, são parte das nossas próprias qualidades e defeitos. Ao julgar, ao medir os demais, ao colocarmos rótulos – bom, mau, belo, feio, egoísta, generoso, inteligente, idiota, etc. – estamos mentindo a nós mesmos.
A realidade não é boa nem má em si; nem bela nem horrível e nenhuma outra qualidade. A unidade divina não pode ter qualidades e nem ser definida por um tarólogo que não a compreende por não poder contê-la. O todo é todas as partes, mas todas as partes não são o todo. Em nenhum momento o tarólogo pode erguer-se em juízo de seu consulente e aceitar como reais e justas as visões que o consulente tem de seus familiares ou seres que invoca na leitura. No mundo, não se pode afirmar “tudo é assim”. O correto é dizer que “quase tudo é assim”. Se noventa e nove por cento é considerado negativo, não se pode excluir a positividade contida em um por cento. Esse um por cento é mais digno de definir a totalidade do que o restante negativo. Essa pequena positividade é capaz de redimir a grande negatividade. Por isso não se deve afirmar que o mundo é violento. Pode-se aceitar que há violência no mundo, demasiada violência, mas não defini-lo por esse fato. O mundo é tão perfeito quanto o cosmo. Igual é o ser humano. Não é conveniente afirmar que se está doente. O corpo humano é um organismo complexo, misterioso, que possui saúde. Estar vivo é estar são, física e mentalmente. Podemos ter enfermidades e atitudes psicóticas, mas por mais graves que sejam, não se convertem em um “doente” ou em um “louco”; não definem nosso ser senão nosso estado presente. O espírito humano, infinito, não suporta rótulos.
O tarólogo, mais que mostrar os muitos defeitos, deve tratar de captar as qualidades do consulente, pois mesmo que sejam poucas, o ajudarão a ser quem ele é de verdade. Não se deve definir o consulente por suas atitudes, mas sim definir as ações que o consulente tem feito. Ele não é “um tolo”, mas “fez tolices”. Não é “um ladrão”, mas “se apoderou de bens alheios”. Se o consulente é definido por suas atitudes, ele acaba sendo separado da realidade.



O valor de um leitura depende do nível de consciência do tarólogo. Se ele for sábio, pode obter valiosas mensagens por mais absurdos que possam ser os arcanos escolhidos pelo consulente.



A consciência do tarólogo confere sabedoria ou necessidade à sua leitura, mas os arcanos em si não são sábios nem tolos: eles não têm qualidades. As qualidades são de quem os interpreta. As leituras, apesar de sua importância, são sempre interpretações pessoais do tarólogo e por isso mesmo não deve obter validade de prova única ou absoluta. Nenhum leitura pode constituir a prova de um fato, por mais assertiva que seja. A exatidão e a precisão, em uma realidade em constante mudança, são dois obstáculos à compreensão. O desejo de perfeição, de exatidão, de precisão e de repetição do conhecido e estabelecido são manifestações de uma mente rígida que teme a mudança, o diferente, o erro, a permanente impermanência do cosmos. Esta atitude puramente irracional se opõe ao pensamento tarológico, que se assemelha ao poético. É como se escutássemos o poeta Edmond Jabés dizer: “Ser é interrogar no labirinto de uma pergunta que não contém nenhuma resposta”.



Depois que um arcano é interpretado de certa forma, é possível modificar, em outro momento, a interpretação. As interpretações não são os arcanos, eles não mudam, mas o tarólogo sim, enquanto ser que se transforma.



Nunca mudar de interpretação é teimosia. Toda a mensagem obtida pela leitura de algumas cartas pode ser contradita por uma segunda leitura dessas mesmas cartas. As mensagens não são extraídas das cartas sem as interpretações que são dadas a elas. Responder “não” a uma afirmação é um erro. Nada pode ser negado em sua totalidade. É melhor dizer “é possível, mas de outro ponto de vista se pode concluir o contrário”. A doença é essencialmente separação, ou seja, crença de se estar separado. A chave mágica que permite tanto ao consulente quanto ao tarólogo organizar positivamente sua passagem pelo mundo é a pergunta “a vida me faz feliz? Essas pessoas, esse país, essa casa, esses móveis, me fazem feliz nesta vida?” Se não me alegram a vida, significa que não me correspondem como companhia, ambiente, território, atividade - o que me convida a não me envolver com eles. Todo conceito tem um valor duplo, composto da palavra enunciada e uma contrária não proferida. Afirmar algo é também afirmar a existência de seu contrário. Por exemplo: feito (em relação a algo bonito), pequeno (em relação a algo grande), defeito (em relação a qualidade), etc. Fora dessa relação, o conceito não tem sentido. Sem se comparar, o consulente não pode saber quem ele é. A personalidade adquirida, não a essencial, se forma baseando-se em comparação.



Foto também publicada no livro "Castelli di Carte", que acompanha um dvd com palestra e entrevista exclusiva.


O tarólogo deve começar sua leitura ciente de que se dirige a alguém que é o que sua família, sua sociedade e sua cultura quiseram que ele fosse, pelo qual acredita ter metas que não são as suas, com obstáculos superficiais e problemas disfarçados de soluções.
O tarô poderá indicar-lhe sua natureza, suas metas, obstáculos e verdadeiras soluções fazendo-o ver a região silenciosa de sua existência. O que não sabe e o que sabe são partes da vida do consulente. O que não fez é tão importante quanto o que fez. O que não pode um dia fazer faz parte do que já está fazendo. O que ele foi e o que não foi, o que é, o que não é e o que será e o que não será constituem por igual o seu mundo.
Alguns consulentes, por medo de perderem aquilo que acreditam ser sua individualidade, não querem ser tratados e nem curados. Em vez de obterem soluções, desejam apenas ser escutados, amparados.
O tarô não cura; ele serve para detectar a chamada “enfermidade”. Cada um dos arcanos pertence ao mesmo tarô. Por isso, duas cartas

observadas juntas, ainda que pareçam ter significados absolutamente diferentes, possuem detalhes em comum. Diante de qualquer conjunto de cartas deve-se buscar entre elas o maior número possível de detalhes em comum.

Todos os seres humanos pertencem a uma espécie em comum e vivem no mesmo território, o planeta Terra. Por isso, duas pessoas juntas, apesar de serem de raça, cultura, posição social e nível de consciência diferentes, possuem características em comum. O tarólogo, abandonando toda a vaidade de sentir-se superior, deve captar essas semelhanças e concentrar sua leitura primeiramente nas experiências eu o unem ao consulente. Nada melhor que um “ex-doente” para curar um enfermo.



O mau tarólogo, que confunde “pensar” com “crer”, faz interpretações para então buscar nos arcanos os símbolos que podem confirmar suas conclusões.



A verdade para ele é a priori, seguida a posteriori pela busca da verdade. Toda conclusão é provisória e se amplia somente a um momento da vida do consulente, porque foi extraída de interpretações que, por serem pontos de vista do tarólogo, são limitadas. Dar conselhos ao consulente como “você deve fazer isso; não deve fazer aquilo”, é um abuso de poder. O tarólogo deve oferecer possibilidades de ação, deixando que o consulente decida ou escolha por si próprio. Tampouco o tarólogo deve ameaçar (“se não fizer isso, vai acontecer aquilo”), pois o que é feito de forma obrigada, mesmo que pareça positivo, atua como uma maldição. Se o leitor é antes de mais nada “eu”, sendo incapaz de converter-se em um espelho que reflita o outro, na verdade está usando o consulente para curar a si mesmo. Em vez de ver, se vê. No lugar de compreender, impõe sua visão de mundo. Ao invés de despertar os valores do consulente, o submete a um encantamento onde o tarólogo é um adulto e ele uma criança.

O tarólogo não é a porta, e sim a campainha; não é o caminho, mas sim o pano que limpa o barro dos sapatos, não é a luz, e sim o interruptor. O tarólogo não deve fazer promessas e nem bajulações (“Você tem uma alma nobre”, “é uma boa pessoa”, “tudo sairá bem”, “Deus lhe presenteará”, etc.), palavras vazias e inúteis que impedem a tomada de consciência. Para curar-se, o consulente não deve fugir do sofrimento e sim vê-lo de frente, assumi-lo para logo mais libertar-se dele. Um sofrimento conhecido é mais útil que mil elogios.Quando meu filho Teo morreu num repentino acidente aos 24 anos, uma dor indescritível desintegrou meu espírito. Eu assisti à sua cremação e, quando não acreditava ser possível encontrar consolo, vi meu filho Brontis aproximar-se do cadáver e colocar em sua mão um tarô de Marselha. Teo foi cremado e eu recebi em uma urna as cinzas desses seres sagrados. Para sempre, até o final da minha existência, os arcanos abraçados ao meu filho ocuparão um trono em minha memória. Aquilo em que verdadeiramente acreditamos e o que verdadeiramente amamos são a mesma coisa. A imensa dor da perda de um ente querido nos destroça a imagem que temos de nós mesmos. Se tivermos a coragem de nos reconstruir, seremos mais fortes e cada vez mais compreensivos com a dor dos outros.



Traduzido do italiano a partir da quinta edição do livro La Via dei Tarocchi, de Alejandro Jodorowsky e Marianne Costa, publicado em fevereiro de 2008 pela Giangiacomo Feltrinelli Editore de Milão. Publicado originalmente no Clube do Tarô: www.clubedotaro.com.br .

14 de fevereiro de 2009

CONTRARIANDO HAJO BANZHAF


Three of Cups - Pamela Colman Smith
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O mais conhecido tarólogo da Alemanha, autor de vários livros publicados no mundo todo, é um dos preferidos que consta na minha estante, justamente pela obra O TARÔ E A VIAGEM DO HERÓI, lançado por aqui pela Editora Pensamento. Na introdução do livro, Banzhaf faz um panorama da origem, da estrutura e da simbologia das cartas, abordando o famoso tarô de Marselha e o Rider Waite, desenhado por Pamela Colman Smith - esta última digna de atenção por enriquecer o universo tarológico ao ilustrar os Arcanos Menores.
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Mas relendo esse capítulo, estranhei pelo seguinte comentário sobre o 3 de Copas, que passou despercebido na primeira leitura: "Por mais bem-vindo que seja esse enriquecimento, ele não nos deve impedir de ver a grande diferença que existe entre as imagens que surgiram no curso dos séculos do inconsciente coletivo da humanidade - como podemos supor pelos Arcanos Maiores - e as ilustrações que foram imaginadas por uma pessoa, ainda que ela fosse uma pessoa tão genial. Por certo, uma imagem imaginada é útil para se deduzir um significado, porém ela nunca alcança o conteúdo e a profundidade simbólica de uma imagem arquetípica. Por esse motivo, é pouco produtivo ficar analisando os detalhes das imagens dos Arcanos Menores. Elas simplesmente ilustram um tema. Assim, a carta Três de Taças nos mostra a dança da colheita, como se pode reconhecer pelas frutas caídas aos pés dos dançarinos. Quem entende esse enunciado nas ilustrações sabe o que a carta quer dizer: um desenvolvimento teve êxito, houve a colheita, a pessoa é grata e está satisfeita. A carta não revela mais do que isso. Qualquer especulação a respeito do fato de uma das dançarinas calçar sapatos dourados, enquanto os sapatos das outras são azuis, ou que tipo de frutas ou vegetais estão presentes, é algo sem importância, quando não inútil."
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Muito bem, Hajo. Até certo ponto eu concordo com você. Mas dizer que um Arcano Menor desenhado simboliza apenas um significado específico é um tanto limitador, não acha? Certamente o 3 de Copas não significa apenas êxito na colheita e satisfação pela fartura. E no plano afetivo, quando alguns estudiosos afirmam traição iminente, o famoso triângulo amoroso, por exemplo? Existe desenvolvimento favorável nisso? Ou uma conclusão definitiva? Duvido muito.
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Não puxo a sardinha pra brasa da Pamela ou do Waite e de ninguém que utiliza os baralhos inspirados no da dupla revolucionária. O que vale é a leitura da imagem. Limitar uma interpretação por meio de um conceito como esse é um desrespeito à profundidade da figura, independente de quem a concebeu. E é absurdo pensar que a imaginação de uma artista não se utilize de símbolos para compôr seus desenhos. Aliás, não é a imaginação uma ferramente essencial para a decodificação? É sim, desde que não hajam viagens homéricas na maionese, burlando a estrutura da carta em sua essência. Quem disse que imaginar não faz parte do ofício oracular? Quer dizer que nos meus cursos, quando chego na abordagem dos Menores, devo dar apenas duas ou três palavrinhas sobre o significado de cada um deles? E numa tiragem sofisticada, como na casa 8 do Mandala Astrológico, acompanhado da Temperança, por exemplo? O problema estaria em definir até que ponto uma figura é imaginada e onde é o campo arquetípico do inconsciente, então?
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Bom, as Copas respondem por si. A releitura, no seu mais amplo significado, é sempre válida.
E os sapatos podem indicar várias coisas, garanto.
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Leo