12 de dezembro de 2006

CARNIVÀLE



Faça uma pipoca antes. Ou um café, também vale.
Enquanto você degusta, assiste a uma das mais estranhas e charmosas séries já produzidas pela HBO.

Ambientada na década de 1930, a trama conta com cartomante, anão, padre, poderes sobrenaturais, siamesas e até mulher barbada, literalmente. Maior clima de mistério.

Planos pérfidos prenunciam tempestades de areia.
A abertura é um árido vôo pelos ânimos americanos da época, em pura transição com os arcanos e antigas obras de arte.

Destaque para a transformação da garotinha em arcanjo Miguel.
Arrepia, realmente.


Com vocês, Carnivàle.

11 de dezembro de 2006

PELO USO RACIONAL DA CARTAS


Alberto Knox (Tomas von Brömssen) e Sofia Amundsen (Silje Storstein), na adaptação cinematográfica de "O Mundo de Sofia".


"A filosofia de um século é o bom senso do próximo", diz a sorte do Orkut. Também acho, principalmente quando mergulho em comunidades de tarô, onde são discutidos temas bastante interessantes. A anatomia das lâminas, o desenvolver de atribuições que até há alguns séculos eram de poucos estudiosos.

Dias atrás, me recordei da visita de Alberto Knox e Sofia Amundsen à livraria da cidade, depois de um café e sanduíche. O filósofo aponta as prateleiras de "new age" e misticismo como sendo o
próprio século, "o templo da nossa era", explicação que até então a garota não havia entendido. O capítulo fisgou minha atenção sobre aquelas publicações que, segundo o argumento, não passam de bobagem, pois "não oferecem uma experiência verdadeira".

Acredito que cada oráculo deve passar pelo senso crítico do usuário, pois como haveria a experiência e o aproveitamento do sistema, seja o de cartas, linhas ou pedras sem ter no mínimo as noções estruturais e fazer as perguntas que jamais querem calar: "como funciona, para quê e para quem"? Vale filosofar.

"Experiência", falei bem.
Perdi a conta dos vários métodos que já testei e dos tantos equívocos de interpretação. É mais fácil acreditar que só de comprar o tarot de Thoth e fazer o ritual, já estarão garantidas as previsões - sem falar nas bençãos que Crowley derramará sobre o neófito, onde quer que esteja - ou mesmo ter a audácia de dizer que o baralho não funciona em determinadas horas do dia.
"As pessoas anseiam por algo "místico", por "outra" coisa que aponte para além da monotonia de sua vida cotidiana, só que infelizmente elas acabam exagerando", resume Alberto.

O diálogo toma outro rumo também importante, mas até aqui serve para refletir sobre o aprendizado do tarô que, sem a brilhantina esotérica ofuscando o ego, pode ajudar o verdadeiro estudante na constante decodificação simbólica, além de poder usufruir melhor das idéias de estudiosos e estudiosas - que carregam dúvidas como qualquer interessado - e, de quebra, contribuir para que as analogias ocorram, a qualquer hora e lugar.

Não sou contra a fome dos curiosos em aprender a deitar as cartas - já fui um deles, claro - porém jamais a favor do pedantismo e das respostas prontas. Crenças são crenças, mas agregá-las ao oráculo é desrespeitoso. Não menos é limitar-se a elas, como tapar os olhos em vez de expandir as percepções e achar que é indispensável determinado CD de harpa para meditar sobre os arcanos ou ainda bater o pé garantindo que a consagração periódica deixam as cartas isentas de erro em todas as leituras, pois "caso contrário o véu de Maya cai e sua vida vira um lixo..."

Em meio aos esforços dos que amam a profissão e dedicam tempo pra entender o complexo arcabouço de símbolos em sua pura ligação com a vida, é certo pensar que basta decorar um livro para sair atirando conceitos acerca do oráculo? Falta a imaginação, o mecanismo das cartas em meio a comparações, idéias e até propostas para definir de quem são as mãos nos quatro Ases do Rider Waite, por exemplo.

Racionalizá-las não consiste em invalidar seus mistérios, muito menos querer explicá-las em nome dos pensadores. Significa querer e oferecer qualidade, deixando dogmas e falácias de lado. Afinal, é a partir do respeito e estudo sério que o tarô funciona - a consciência do bom senso, diriam alguns filósofos. Ou talvez a justa medida dos jarros.

Sofia entenderia, com certeza.




Vou lá pegar mais café,



Zeke

15 de novembro de 2006

TARÔ & VIDEOGAME

A luta da Alma em STREET FIGHTER



Um dos meus vícios de infância, lembro bem, era o jogo Street Fighter - preferido pelos amantes da pancadaria virtual, ao lado do velho Mortal Kombat. A franquia, com mais de 12 versões e dezenas de lutadores, leva a marca Capcom (também responsável por Resident Evil e outros sucessos de venda).

Naquela época, final da década passada, um dos personagens do game me conquistou de imediato: Rose. A figura mais estranha, sensual e não menos cativante disponível pra liberar os socos. Sua magia exalava em raios - do echarpe amarelo, o “Soul Spark” atingia certeiro os oponentes. No fim dos rounds ela dava lugar a uma lâmina de baralho cuja estampa era de um corcunda encapuzado com uma trouxa. Nada temperava tanto minha curiosidade. Claro, só soube o que significava "The Fool" um tempo depois, quando apelei ao dicionário. Aquilo me intrigou, pois não é todo dia que se vê algo como Tarô em jogos, principalmente nos de luta. Depois de alguns anos do primeiro contato com o Arcano Sem Número, as analogias surgiram. E não pararam mais.


O enredo caracteriza Rose como uma lutadora enigmática e aparentemente inofensiva que se pode escolher. É a cartomante, a feiticeira que conquista os marmanjos pelas curvas e acrobacias. Vive num tal Palazzo Mistero em Gênova – imagino um lugar delicioso como o Palazzo Vecchio de Florença, que ilustra boa parte do filme Hannibal. Acorda muito cedo e odeia tomar sol, daí sua pele tão branca. Idade, sobrenome e verdadeira origem são desconhecidos - até então. Nas três versões do jogo Street Fighter Alpha (Zero para os japoneses), Rose persegue M. Bison (ou Vega, também no Japão), o grande inimigo dos inesquecíveis Ryu, Ken e Chun-Li.



A UDON Comics, responsável pelos quadrinhos de Street Fighter na América, deu um sentido cronológico à personagem. Dizem que quando jovem, desenvolveu sua magia numa comunidade cigana, auxiliada por uma mulher de longos cabelos brancos conhecida apenas por Mestra, com quem aprendeu a controlar o "Soul Power", o poder de sua própria alma. Para materializá-lo, portanto, basta despejar a ira sobre os botões!

SF em Quadrinhos - A pequena Rose e sua Mestra consultando o oráculo.

Dotada dessa força direcionada para o bem, Rose sente o perigo se aproximando cada dia. Procura no Ocultismo algumas respostas sobre uma figura demoníaca que surge em seus sonhos, gargalhando entre as trevas, mas acaba descobrindo apenas mais perguntas, deixando-a na escuridão do próprio mistério.

Já adulta, dedicando-se especificamente ao tarô.

M. Bison (ou Vega), o vilão conhecido por toda a galera do fliperama, é o causador de todas as destruições e transformações pelas quais passam os lutadores, inclusive o maior pesadelo de Rose. Ele está à procura de grandes guerreiros para desafiar e obter seus poderes: um dos motivos para o sangue jorrar nos torneios Street Fighter.

Bison e A Morte do Secret Tarot

Em uma de suas consultas ao tarô, ela tem a Morte, o Diabo e a Torre: M. Bison em seqüência. A Morte é o próprio, O Diabo sua postura e A Torre o seu império, erguido sobre o nome de Shadaloo" (Shadow Law), a maior organização criminal do mundo.

Há quem diga que ambos têm um obscuro parentesco e trazem no sangue uma herança de poder sobre a mente humana, ou ainda que são apenas uma alma ocupando corpos distintos, a explicação mais plausível dos fãs da série. Rose o bem, Bison o mal. Arriscado sugerir Animus e Anima? Bom, se ele já personifica A Morte, sua contraparte, pela soma (1+3) é o quarto arcano – o poder conquistado, o lado yin, a obstinação – enquanto Rose carrega a sensualidade, a beleza, a satisfação do espírito renascido e a ação naturais d´A Imperatriz. Os personagens conversam entre si.


O Imperador e a Imperatriz do Thoth Tarot

Sendo também um antigo discípulo da tal Mestra, Bison decidiu retornar à comunidade com o intuito de destruir tudo. Possuidor do "Psycho Power", a mesma essência do "Soul Power", ele fortaleceu o lado negro de sua força e dizimou a população de psíquicos, incluindo a própria Mestra, até então sua principal ameaça.

Mas a tal cigana é carta fora do baralho, se é que já fez parte de algum. Rose foi, de forma previsível, a única sobrevivente. Convencida a persegui-lo e pôr fim ao seu reinado de caos, mal sabe que essa ligação é maior do que se imagina. Enquanto seus atributos complementam os de Bison, Rose é, essencialmente, A Sacerdotisa que desvela acontecimentos e esclarece enigmas do destino, como faz com Ryu ao transportá-lo para o Astral, quando dá uma de conselheira. Qual será a carta que ela lhe dá?

Uma carta para Ryu

Desdobrando o segundo arcano maior, tem-se A Força como complemento. O domínio psíquico, a escuridão, a paciência e o segredo. A descoberta de si, o poder interior domado e bem direcionado. Sabe e oculta, medita e expõe. Imaginando-a como Temperança, são semelhantes no olhar - serenidade à flor da pele, até mesmo durante as brigas. Por vezes é considerada uma lutadora fraca, lenta e “pesada” pelos jogadores – o que ressalta os atributos que a Sacerdotisa lhe empresta. E A Imperatriz ainda vale: Rose mora entre as duas.

A Sacerdotisa e a Imperatriz do Ancient Italian Tarot

Rose, ao contrário dos demais personagens, não se limita apenas aos motivos pessoais de vingança ou ao gosto pela ação. No torneio ela tem a oportunidade de refletir sobre essa força, pois sabe que estará lidando com ela mesma ao enfrentar seu adversário. Vemos o próprio poder do vilão direcionado ao caos, à ascensão do seu império e à destruição de todo o resto, revelado num episódio do desenho animado em que Bison cultua a deusa hindu Kali. Em alguns baralhos, ela é retratada como os três arcanos que o descrevem. Coincidências?



No castelo da Shadaloo - a própria Torre - Bison constrói uma máquina chamada “Psycho Drive”, que regenera e acumula toda a energia corrompida no intuito de dominar o planeta.



Comanda seu próprio exército de soldadas, programadas para massacrar qualquer oponente que represente obstáculo. Duas de suas representantes são Juli e Juni, extremamente ágeis e fortes que, antes de serem possuídas, tinham vínculos com outros personagens. As aparências femininas enganam e o poder de Bison corrompe. Um misto de tecnologia e magia negra. Literalmente, um plano diabólico.


O Diabo comanda.
Mas se o demônio marselhês faz uma sátira à espada da Justiça segurando-a pela lâmina, Bison o imita em relação a Rose e aos que estão abaixo dele em termos de poder. Alguém se habilita a enfrentá-lo? O tão demorado confronto ocorre após ter lutado com vários dos street fighters e nenhum, porém, ter sido páreo para a bruxa da história. Numa chuva de raios mágicos, o destino do universo depende de Rose. 


Se Rose morre, Bison continua imperando, e o poder dela se dissipa para sempre. Game Over. Mas graças aos viciados nos golpes, a bela italiana aparentemente o destrói.
Dá-lhe Torre!

A Torre do Labyrinth Tarot

Diz a lenda que ela é possuída por ele, causando a fusão, a aliança do poder em toda sua abrangência. Inevitável é cair na Temperança. Feitos um do outro. Um para o outro. Coagula, portanto. Se comparada ao anjo, é nítida também a semelhança estética - a calma à flor da pele, mesmo durante as brigas. Ah, e a perseverança que só a Estrela possui.

Rose e a Temperança do Ancient Italian Tarot

Ainda no mesmo raciocínio, Rose passa a comandar a Shadaloo enquanto um novo corpo “bisônico” é desenvolvido – o renascimento, também atribuído à Kali. Já que os dois lados da sua alma estão juntos novamente, ele fica mais “fraco” do que antes. Daí a razão de não possuir tantos poderes em outras versões do jogo, garantem alguns fãs e teóricos.



Fora da linha dos achismos, ela não pode descansar, muito menos suas cartas. O Louco no tarô seria o "homem do fim dos tempos", o desconhecido que viria para deter o mal ou então ser o grande destruidor. Akuma? Ryu? Esse arcano, o veículo que simboliza o destino das lutas e do planeta, é a própria Rose.


Atravessando o véu de si mesma, não traduz seus sentimentos em ações, ou talvez esteja além da posição dos demais lutadores. Uma estrela intacta, a mulher por trás dos arcanos, em busca da própria Alma.

O meu vício em Street Fighter hoje é substituído pela virtude em manejar as cartas. Mas ainda mantenho em dia a pancadaria com Rose, que arrisco dizer ter sido uma das responsáveis por me fazer pensar nas artes narrativas entre o espírito geek, o esoterismo, as alegorias. Tradições cotidianas que caem no nosso gosto, abrem portas e [nos] criam mitos. Todos esses elementos estão nos meandros de nós, em relativo combate.


Let´s fight!

Leo

12 de novembro de 2006

SORTE OU PURO ACASO

Mesmo diante de todas as vertentes e temas esotéricos que fizeram minha cabeça na pré-adolescência – o arsenal wicca, os livros trocados entre amigos, os grimórios confeccionados, as pesquisas em bibliotecas, as histórias de alguns conhecidos e o vasto cardápio de textos repetidos da internet – os oráculos me fascinavam há mais tempo. A cartomancia, especialmente. Talvez pelas tardes em que uma senhora abria um baralho em leque sobre a mesa da cozinha e montava pirâmides com as lâminas enquanto minha avó ouvia atenta. Eu não tinha idade, diziam as mulheres da casa, para escutar o que a cartomante revelava - mas curiosidade o suficiente para assistir de longe às posições que Reis e Rainhas assumiam.

Até então via o tarô como um instrumento secreto, exclusivamente mágico – adjetivo que sempre me deixou com cara de origami – que jamais poderia aprender a ler, decifrar e conversar com aquelas figuras tão estranhas se eu não fizesse parte de alguma "panela mística". Tempos depois, e com todas as sincronicidades à parte, a bibliografia tarológica começou a surgir em minhas mãos. Aprendi sozinho. Estudos, analogias, sensações e muita dedicação.

Na varanda eu passava horas olhando cada trunfo, o que talvez instigava os mais chegados a perguntarem como funcionava. Fácil nos primeiros tempos foi poder experimentar os jogos, com a sorte de ter "cobaias" de cabeça aberta e sem medo dessas coisas. E lá foi o meu "garoto", várias vezes colocando Torres, Julgamentos e Carros pra quem quisesse ver e ouvir. Adoravam. Já meus pais não entendiam muito bem, pensando que eu não era como os outros garotos da turma. Qual o problema? Gostos e aptidões não eram e continuam não sendo discutíveis. Não os meus, pelo menos.
É interessante comentar que nunca achei que tarô fosse “coisa de mulher”, como uma consulente arriscou. Bobagem pouca, já que depois de alguns séculos borbulhando no caldeirão de várias escolas iniciáticas, esse oráculo finalmente se vê livre de tais distinções – os sexos se encontram nos arcanos, assim como entre os leigos e profissionais. Democrático, eu diria. Outro grande barato – ou caro, para alguns – é o exercício da imaginação, já comentado pelo oculista Oswald Wirth: mergulhar no simbolismo e emergir no inconsciente, de mãos dadas com o desenvolvimento intuitivo – ofícios do adivinho.

A cada dia aprendo a ouvir suas histórias, tendo-o como um sistema que responde por si próprio. Cada arcano um mundo, um baú de palavras, uma página, um retalho. Com o tarô evoluindo artística e conceitualmente, seguem os eternos estudantes e buscadores a partir da história, da poesia, dos filmes, dos jogos, das crenças e das pessoas. Através desse espelho cultural de infinitos reflexos, as formas e os significados florescem. E claro, continuam me surpreendendo.
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Leonardo Chioda

14 de setembro de 2006

A N A C R Ô N I C A

Certa vez, fui solicitado para deitar as cartas em uma festa que contava com mesa e tenda apropriadas para a leitura. Mesmo que o barulho ao longe atrapalhasse um pouco, estava ali disponível aos convidados. Às convidadas, eu diria.


A primeira consulente, me lembro bem, perguntou se realmente eu consultava o tarô, pois isso era "coisa de mulher". Franzi a testa e disse um "não, nada a ver!" indignado enquanto embaralhava. Em minutos, a amiga do lado de fora já lhe gritava: "Vai demorar muito ainda?"

"A situação não tá muito boa", revelou após apagar a bituca do penúltimo Marlboro. Plano emocional e físico abalados, comprovaram as lâminas.


No final, depois de atentar sobre sua postura diante da bebida, da doença da mãe e do rompimento conjugal, confessou-me que nenhuma pessoa "sensitiva" havia sido tão sincera quanto eu, um mero rapaz que, como recompensa ou agradecimento, acabou ganhando um cigarro, uma lata de Smirnoff e um "muito obrigada" em lágrimas.


Primavera de 2006

3 de setembro de 2006

TODAS AS PRIMEIRAS PALAVRAS

As palavras e as imagens sempre estiveram comigo.
A decodificação da alma, dos brindes da vida, como dizem os versados.

Se a linguagem é expressão da vida, o tarô é a vida expressa em imagens.
Letras são símbolos. Imagens são símbolos. "Serás tu um símbolo também?"

Na simplicidade, na loucura e na beleza das cartas, a imaginação brinca,
faz a festa nos pensamentos e atua diretamente na alma.

Os que sabem, entendem.

É a linguagem do destino? Ou é o destino em um idioma arcano?
A abertura, o caminho real das figuras, das histórias, das épocas, das emoções.

Seja bem-vindo.