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20 de novembro de 2018

ENTREVISTA COM O ORÁCULO


Tem sido cada vez mais frequente, em blogs de entusiastas e tarólogos profissionais de língua inglesa, a prática da entrevista de um baralho. Seja ele novo ou velho, a medida é interessante para medir o potencial do Tarot que nos chega em mãos. 

Eu compro baralhos com alguma frequência. É um vício que muitos celebram. Mas melhor que isso é saber com que[m] estamos lidando, já que um oráculo é um espelho que nos reflete e nos coloca em contato com histórias extraordinárias — nossas e de outras pessoas. Há algumas semanas acabei comprando um novo DruidCraft Tarot. Uso este deck desde 2005, quando ganhei a primeira edição de um amigo muito querido. E agora, aproveitando os feriados para colocar a vida [e as perguntas] em dia, decidi entrevistar esta ferramenta de ofício tão querida. 


QUEM PRECISA DE TÁBUA OUIJA?

Brincadeiras a parte, entrevistar um Tarot pode dar arrepio em leigos e veteranos. E é bom que seja assim. Sugiro aqui o método de leitura que desenvolvi e que aplico com frequência. A grandeza de entrevistar um baralho, além de exercitar o raciocínio simbólico, é se deparar com cartas e respostas que surpreendem, que instigam o trabalho constante com as cartas. Esse método é ideal para quem se dedica a alguma linha de espiritualidade, já que abre caminho para noções cada vez mais profundas sobre a natureza e a aplicação do baralho em questão. Embora, claro, também sirva a quem deseja mapear as nuances e as vibrações de um oráculo específico. Vamos lá?


OS PREPARATIVOS

A ideia é que você tire o Tarot da caixa, se certifique de que há 78 cartas diferentes e comece embaralhando com tranquilidade e constância, sem pressa. Enquanto embaralha, sinta o cheiro das cartas, repare nas cores do verso delas e na textura do papel. Vá pensando nas circunstâncias que fizeram este Tarot chegar às suas mãos. Você o desejou muito? Gosta das suas imagens? O que mais te atrai nele? Sinta o oráculo. Ao mesmo tempo, reconheça que ele é uma instrumento de reflexão, previsão e orientação que merece o devido respeito. E que, não à toa, ele está em seu poder agora. Às suas ordens. Não se engane, esta etapa é simples e muito importante. Se você não vê sentido nela, convém pensar bem a respeito da sua própria relação com o oráculo.  

Feito isso, reúna as cartas e em seguida abra-as em leque ou corte onde o maço onde intui que deve ser. Essa medida é totalmente arbitrária e não influencia na leitura, a menos que você permita. Se prefere escolher as cartas uma a uma, tudo bem; se prefere pousar a mão sobre o baralho e 'quebrar' o maço em determinada altura, vá em frente. Este detalhe é pessoal e varia com muita freqüência. O importante é estar presente enquanto manipula os arcanos — sejam eles virgens ou não. 



AS PERGUNTAS

1. Quem é você? Quem fala através deste Tarot?
2. A quais propósitos você serve com maestria?
3. O que você revela a seu respeito?
4. O que você revela a meu respeito?
5. Quais suas fraquezas?
6. Quais suas forças?
7. Eis o nosso potencial de trabalho em conjunto.
8. O que você começa me ensinando?

E caso o seu desejo seja ir um tanto além nesta consulta, você pode tirar uma carta extra:
9. Qual o seu segredo?

Mas se você quer uma análise mais rápida, quase um bate-bola, sugiro a seguinte adaptação:

1. Quem é você?
2. O que você faz de melhor?
3. Como será o nosso trabalho em conjunto?
4. O que você me ensina agora?


EXEMPLO DE LEITURA



O DruidCraft Tarot, como já comentei, é um dos meus favoritos. Seu imaginário é voltado ao Druidismo e à Wicca e tem sido um dos baralhos mais vendidos do mundo desde o lançamento. Às vésperas de uma viagem muito importante em termos espirituais, o trabalho com essas cartas volta em boa hora. Compartilho com vocês as respostas que me foram dadas. 

1. Quem é você? Quem fala através deste Tarot?

XV CERNUNNOS
Eu sou o Senhor das Folhas, o Guardião das Florestas. Meu nome é Paixão. Dança. Amor. Medo. Domínio. Eu sou o vento forte e a brisa. A potência e o chão. A semente da vida vinga em meu nome. Eu sou o deus de tudo o que floresce, fenece e renasce. Quem se liga a mim vê tudo; quem foge só estreita os nossos laços. Eu chego e a terra treme. Terra e Água e Fogo e Ar são o meu Espírito. Eu estou em cada lágrima, em cada grão de sol, em cada arma, em cada escuro, em cada fagulha. Quem fala através deste oráculo é aquele que os tolos chamam de Diabo e os sábios tomam por Natureza. Eu sou o portal e sou quem passa por mim. Eu sou o que se chama de vida e de morte diante de ti.


2. A quais propósitos você serve com maestria?
OITO DE OUROS
Eu sirvo àquele que preza pela excelência. Sou o hábito da primazia, o capricho que não se negocia, a grandeza em tudo o que é possível ser feito. Produzo, aprimoro e me garanto como o arcano do cuidado e das mãos atentas ao que é belo, palpável, urgente e inadiável. Eu venho para responder a questões de ordem material, assuntos que pedem reparo e potências que exigem vazão. 


3. O que você revela a seu respeito?
DOIS DE COPAS
Eu mostro os emblemas do Amor. Eu posso e faço aquilo que demanda coerência e aliança. Sou o arcano dos contratos, das relações públicas e secretas, dos brindes que a vida pede. Eu revelo que este é um tempo único de celebrar o que há de mais forte e indestrutível dentro de ti e de quem recorre às suas palavras. A minha natureza é um acordo fiel e duradouro com o que há de sensato, sincero e sereno. Somos duas taças tilintando a céu aberto. O nosso tempo é de comunhão com a verdade. Nós somos o arcano que não te deixa esquecer: tu não estás só. 


4. O que você revela a meu respeito?
NOVE DE PAUS
Tu tens sido a desconfiança e a incredulidade em pessoa. A tua pessoa é essa que questiona até mesmo uma entrevista com um instrumento de trabalho tão vivo quanto somos nós. A verdade é que teu ceticismo cessa na medida em que nos ouve e acompanha: a cada momento é como se a vida desabrochasse aos teus pés, firme e fiel a si, mostrando que pouco importa qualquer medo. A tua força se faz digna na medida em que nos toma reais. Eu revelo que tu és o senhor do teu campo. E há muito a ser feito. Começa.


5. Quais suas fraquezas?
TRÊS DE OUROS
Eu falho no que é tocável. Eu vou até o ponto em que tu determinas. O inverso do trabalho é a inércia, e eu erro na constância dos detalhes caso não receba a tua devida atenção. Eu peco pela falta de uso. Sou um tanto fraco fisicamente, mas cada desgaste corresponde à minha melhor performance. Todos atentos aos meus talentos: a minha beleza abre os teus portões para perceber a Magia. Ainda que eu falhe, tu te moves. E alcanças.

6. Quais suas forças?
ÁS DE COPAS
O meu ouro é líquido. As forças que reúno são as forças das águas — os sentimentos, os fluidos principais, o caldo sagrado de Cerridwen. Meu nome é caldeirão, concha, vaso, útero, mão. Eu sou a  própria Força. Eu jorro cada dia. Eu te ofereço clareza e profundidade em assuntos ligados ao amor, à alma e à vida que nunca seca. 

7. Eis o nosso potencial de trabalho em conjunto.
XX O JULGAMENTO
Juntos renascemos. Juntos saímos do fundo de qualquer poço para o ponto mais claro da alvorada — assim é o prenúncio de um laço que já vem de outros tempos. Juntos refazemos caminhos e começamos outros mil. Assim, juntos, podemos tocar os temas luminosos do espírito, das surpresas e das urgências. Tudo que eu falo através de ti é revelação. A tua palavra é minha grandeza e a minha grandeza está na tua palavra. Juntos renascemos e damos o renascimento. Juntos iluminamos. Juntos somos luz a quem se habituou com a sombra.

8. O que você começa me ensinando?
REI DE PAUS
Há coisas que devem ser feitas. Há coisas que devem esperar. Tu estás pronto. Não há tempo a perder agora, bem sabes. As coisas devem ser feitas com louvor, como se fosse o último dia de tua vida. Cada postura assumida é uma dívida criada com a vida. E tua vida é essa fagulha pedindo para valer a pena. Eu sou o Rei do Fogo, o Fogo dos Reis. Estou desde o começo encarando as tuas palavras. Toda promessa que me fazes será cobrada. Toda dúvida que resta deve ser destruída. Eu olho fundo nos teus olhos. E cada compromisso firmado mede a tua honra. 


9. Qual o seu segredo?
SEIS DE ESPADAS 
Posso te mostrar o além. Como os caminhantes da água que ligam Avalon ao mundo dos homens, te levo pelos veios de bruma e de certeza pelo que deve ser considerado. O meu segredo é servir ao tempo dos vivos e ao tempo dos mortos, como se nada tivesse fim. Como se tudo fosse um contínuo entre o teu coração e os outros. O que outros oráculos chamam de fase ou momento, eu chamo de viagem propícia a cada momento que tu nos embaralha. O meu nome é jornada. Travessia.


AS PALAVRAS DEPOIS

Como você percebeu, as respostas vieram em primeira pessoa. Esse é um exercício simbólico, como comentei, mas também um exercício de escrita. Você não precisa escrever dessa maneira em seu caderno de anotações. Pode ser simples, elencando palavras-chave das cartas, por exemplo. Caso deseje 'gravar' a voz dos arcanos, fica a dica. O importante é anotar as cartas e trabalhar em cima de seus significados. 

É assim, aos poucos, que a sua relação com o oráculo passa a ser menos distante e começa a abrir cada vez mais a sua intuição. 

24 de junho de 2017

SANGUE E LEITE

ALKAMA
(Alquimia)

Frederic Fontenoy


É impossível ter todos os baralhos e todos os livros já escritos sobre Tarô. São vários séculos de evolução simbólica. Séculos de perdas e acréscimos. Mas o vínculo entre as pessoas dadas às cartas e o conhecimento assimilado são suficientes para proporcionar novos encontros, fazer associações cada vez mais ricas e revisitar certas práticas refutadas ao longo do tempo. Porque com poucos títulos e breves encontros vislumbra-se a Grande Obra. 


PEDRA FILOSOFAL
Harmonie Chymique

David Lagneau, 1636

Grata surpresa foi a presença do artista Robert M Place em São Paulo. O responsável por diversos baralhos como o Alchemical Tarot, o Tarô dos Santos e o Burning Serpent Oracle esteve em São Paulo para a segunda edição do Cartomancia, um  dos maiores e melhores eventos de Tarô no Brasil. Mesmo havendo alguns de seus livros em minha biblioteca tarológica, ver Place aplicando seus métodos de leitura foi inspirador. Assistir à sua aula de Alquimia e Tarô foi como voltar para casa depois de uma longa viagem. Talvez porque um baralho alquímico reforça a metáfora sobre os processos humanos; porque restaura, como quer James Hillman, pai da Psicologia Arquetípica, o modo alquímico de imaginar. Ele considera cada tiragem, composta de três cartas, no mínimo, como uma única cena. São respeitadas as direções para onde olham as personagens e para onde se voltam os objetos das cartas sorteadas. É uma forma de revitalizar a leitura oracular ao resgatar a linguagem corporal dos arcanos — uma prática não mais adotada pela maioria dos profissionais, não ensinada em cursos e quase nunca citada em workshops de Tarô. Lembro, aqui, de um axioma presente no Amphitheatrum Sapientiae, de Heinrich Krunrath (1602): “Para quê tochas, luzes e óculos se as pessoas não vêem?” 


Nos apegamos aos conceitos e às posições das cartas e damos de ombros à inclinação da cabeça d’O Louco ou ao olhar d’O Mago. Nem nos perguntamos mais se A Justiça nos olha ou se é cega, de fato — comumente desenhada encarando o leitor e o consulente. Uma análise de relacionamento feita por Place pode ser extremamente auspiciosa ao colocar uma ponte entre as duas pessoas envolvidas: o que as une, o que elas têm em comum. E a tríade arcana pode sugerir, ainda, uma história linear ou um relacionamento fadado ao fracasso. Tudo depende do posicionamento e do valor simbólico das imagens. Estamos de volta à cartomancia dos livros herméticos de Paris, das sibilas em seus salões e dos imagiers de Wirth. 

É instigante aprender com um artista cuja argumentação, bastante sólida, se aplica de modo sensato à bagagem de um praticante. Ele sabe que, como a Alquimia dos antigos, a sua arte é uma experiência de transmutação. E o Tarô é essa ferramenta de transformar o elemento básico em metal valioso — de tornar o cifrado em algo óbvio e útil. Pensar e agir por meio de imagens. Exemplo é o contexto simbólico do uso das três cartas, tratado com respeito a partir do seu significado arquetípico. Para os pitagóricos, três eram os pontos necessários para fazer a primeira forma geométrica e assim começar a criação. A existência em si, para eles, era governada por três deuses: Zeus, Possêidon e Hades. Já os alquimistas acreditavam que toda matéria é composta de uma trindade de essências. O mesmo ocorre em qualquer sentença, como bem sabemos: uma frase completa pressupõe um sujeito e um predicado. E ainda é preciso uma terceira parte: o objeto. Assim como uma história, com o seu começo, o seu meio e o seu fim, pode-se sortear três cartas e compor uma narrativa. 

TRÊS CARTAS
The Alchemical Tarot Renewed: 4th Edition

Hermes Publications, 2015

Penetrar na Alquimia. Enquanto reconsiderava em mil variações a tão saturada leitura de Passado-Presente-Futuro, minha atenção se prendeu à imagem d'A Estrela, uma das minhas cartas favoritas no Alchemical Tarot. Uma imagem arquetípica, embora se apresente repleta de significado, não é uma simples revelação. Daí o termo 'arcano' ainda tão bem aplicado. O significado deve ser elaborado, também de acordo com Hillman, através do 'trabalho com a imagem'. Place transforma a donzela nua dos baralhos tradicionais na Sereia dos Filósofos e funde os astros na aurora com a  Escada dos Planetas, ambas as pranchas provenientes do L'Azoth des Philosophes, texto alquímico de Basil Valentin. Esta figura mítica, tão rica em significados quanto misteriosa, personifica a grandeza e a profundidade do mar. Vem nas ondas de todos os panteões como a dona dos segredos da água. Em termos alquímicos, é a representação da Anima Mundi.


A SEREIA DOS FILÓSOFOS
Azoth des Philosophes

Basil Valentin, 1659



O propósito da obra é a proposição em si. Aliás, a própria Anima Mundi foi quem exigiu que o Alchemical Tarot fosse publicado, afirma Place. Ela é quem fala através das cartas, não eu.  No lugar das duas ânforas d'A Estrela clássica, a sereia pinça seus seios. Ela verte sangue e leite — os líquidos opostos que, combinados com a água salgada, formam a Tria Prima: Sulfúreo, Mercúrio e Sal, três tesouros para compor a Pedra Filosofal. O jorro vermelho é o masculino, relacionado ao sofrimento, à morte e ao medo. Já o branco é o feminino: o alimento, a vida e a esperança. 


O corpo da sereia simboliza, literalmente, a fonte da existência. É dela o estado de calma que vai além das emoções e dos anseios: a tranquilidade necessária para subir os degraus planetários. A estrela de sete pontas, marcada com outro símbolo da Anima Mundi, remete aos portões do Paraíso. Assim, Place compõe este arcano como uma guia ao mais alto estágio de consciência. A mestra, a portadora do equilíbrio e do bem estar. É a Mãe Serena. Afrodite, ela mesma, conforme a presença da pomba ao seu lado esquerdo. Stella Maris. A própria Deusa Branca de Robert Graves. Sophia nas próprias águas.


A LEITURA DOS FLUÍDOS

ALCHIMIA
Collectanea 
Chymica
Morley & Muskens, 1693

Repenetrar no Tarô. Não se pode ter tudo, mas tem-se o que é necessário. Contrariando toda e qualquer cobiça, a excelência é atingida com o que se tem e por quem  se é. Aproveito as lições da aula de Place para experimentar alguns métodos de interpretação [porque com três cartas se tem um presságio, uma diretriz, uma revelação; porque do improviso, que nada tem de mundano, se chega à Magnum Opus]. O laboratório tem o teto estrelado. Eles está em mim e em você.

The Rider-Smith-Waite Tarot — US Games, 1971
Tarot de Marseille — Camoin & Jodorowsky, 1997

The Tarot of Prague — Baba Studio, 2003

Tanto os seios da sereia quanto os seios da donzela nua de todo e qualquer Tarô representam a fonte. Seios são símbolos de provisão. Estão ligados simbolicamente ao mar e à mãe. As mamas, a figura materna e as coordenadas marítimas convergem para a assunção e a proliferação da vida. O fluxo é profuso. Peças fundamentais da Alma do Mundo. Nos procedimentos alquímicos, os seios são tanto criativos quanto destrutivos. Deles vêm o elixir e o veneno. Segundo alguns psicoterapeutas como Melanie Klein, há o seio que fornece e o seio que retém. Um é o Sol; o outro é a Lua. Place, para a alegria dos bons estudiosos, concebeu sua Estrela de acordo com todos esses princípios. O mesmo acontece com o verso da quarta edição do Alchemical Tarot, que é a releitura de uma antiga personificação da Alquimia: seus cabelos são o Fogo; seus olhos são o Sol e Lua; em seus braços estão os animais fixos e voláteis; sua respiração é o Ar; seu vestido sustenta os sete metais e de seus seios brota a Água da Vida. 

Durante meus estudos recentes, passei a aplicar uma sugestão do próprio Place quando emerge A Estrela em uma leitura: colocar uma carta à sua esquerda e outra à sua direita. Quando olha para os seus próprios seios, ela sabe que o esquerdo é o feminino e o direito é o masculino. O esquerdo é o lado branco, do inconsciente. A poção da imortalidade. O direito, que expele sangue, está ligado à consciência, à ação. Em outros termos, o branco merece discernimento e o vermelho exige atitude.  Dois dutos, dois Phármaka. 



O arranjo é rápido e significativo. A carta posicionada à esquerda d'A Estrela, no lado associado ao jorro vermelho, representa os temores do momento ou diante da questão trazida ao oráculo. Já a carta da direita, ao lado do jorro leitoso, representa as esperanças. Uma outra experiência é assumir o arranjo simbólico d’A Estrela como modelo para a leitura de três cartas. O assunto a ser tratado é simbolizado pela carta central. O arcano à esquerda sugere a reflexão necessária sobre os percalços ou os limites. À direita, por fim, o conselho a ser acatado e a postura a ser fortalecida. Esta etapa, na Alquimia, é o batismo, a purificação do negro mais negro. Marie-Louis Von Franz, em conferência transcrita no livro Alquimia [Cultrix, 1993], cita uma parte do Aurora Consurgens, um dos manuscritos mais emblemáticos e enigmáticos da historia da Alquimia: depois de distribuir e atribuir estes sete [metais] através das sete estrelas, e as tiver limpado nove vezes até que pareçam pérolas, este é o estado de brancura”. N'A Estrela, o primeiro corpo celeste em destaque nos Arcanos Maiores, se alcança a claridade. Albedo.




UM EXEMPLO DE LEITURA

Porque exemplos tonificam a prática. O consulente veio a uma consulta para saber quais rumos tomarão a sua empresa, aberto ao que cartas poderiam sugerir, confirmar ou exigir. Sorteou, então, O Hierofante, O Eremita e A Imperatriz.


Se começo lendo como uma narrativa linear — um dos sete padrões descritos por Robert Place para a disposição em três cartas — os arcanos sugerem uma postura resoluta e aparentemente impecável em relação ao próprio trabalho, aplicando com maestria seus princípios à demanda comercial. A carta central, considerada a mais importante por Place, sugere o seguir à risca as ordens de uma autoridade ou mesmo uma ideologia. Dentre as delícias visuais do Alchemical Tarot estão as pegadas à frente do velho sábio. Elas são os rastros da própria Anima Mundi — um exemplo a ser seguido, literalmente — que levam à mulher coroada, senhora da razão e digna da visão. A imagem, presente na obra Atalanta Fugiens, do médico rosacruz Michael Maier, publicada em 1618, também se encontra no Musaeum Hermeticum, de 1625. Foi reimpressa em 1687 com o título Secretioris Naturae Secretorum Scrutinium Chymicum [Investigação Alquímica dos Mais Ocultos Segredos da Natureza]. Em um desses epigramas, referentes à imagem do eremita-alquimista, o conselho é explícito: “Deixai que a Natureza seja o vosso líder, e por este meio sereis prazerosamente o servo da natureza; caminhais a esmo, a menos que a própria Natureza seja a companheira da nossa vida. Dai à razão a força do cajado; a razão intensifica a luz que pode distinguir aquilo que está muito distante. Deixai que a leitura com uma lâmpada transforme as trevas em luz, de modo que possais prever e vos proteger contra muitas coisas e palavras.”

Sendo O Eremita o arcano central e também o meu consulente, a leitura do arranjo visual incita um deslocamento. Ele segue os passos, então, d’A Imperatriz, o arcano final. Apoiado no vaticínio extraído dai interpretação PASSADO-PRESENTE-FUTURO, o papai-mamãe da Cartomancia, prenunciei a influência direta de uma mulher repleta de ideias e potenciais exigindo parte do controle sobre os negócios. O empresário não deixará valores e convicções de lado, mas passará a acatar as sugestões de quem olha para frente, de quem pensa aqui e agora para longe e mais além — sair do seu templo [Hierofante] e experimentar a caminhada [Eremita] até o horizonte vislumbrado pela sua soberana [Imperatriz]. De fato, meu consulente consentiu a respeito do comando de boa parte dos investimentos por parte da esposa, tanto pelos ideais de expansão do negócio e de uma aposentadoria tranquila quanto à carreira do filho, que pretende entrar para o mesmo ramo — aliás, ele próprio presente na carta (!) aos pés da mãe. Sucesso a caminho. Em família. 

O valor da leitura aumenta com as noções de Sangue e Leite. O consulente deve sacrificar [carta à esquerda] a irredutibilidade d’O Hierofante. Achar que a esposa não sabe ou não pode dirigir os negócios da família é uma postura típica de alguém soterrado pelas próprias convicções e pelo senso de moralidade que beira o machismo. À direita, a carta assegura o que deve ser alimentado: o respeito e os esforços d’A Imperatriz em querer administrar os caminhos profissionais, com sensatez, assertividade e previdência. Dar razão à esposa. Um panorama, uma sentença, um prognóstico. Um recorte do mundo em três cartas.

Virtuoso é perseguir a Quintessência, outro nome alquímico para o advento máximo — a Anima Mundi, tão estimada. No âmbito tarológico, alguns dão esse nome à soma da numeração das cartas presentes uma leitura. No caso desta, os arcanos 5, 9 e 3 resultam em 17, A Estrela. Providencial, não? 



O EREMITA SEGUINDO OS PASSOS DA NATUREZA
Musaeum Hermeticum

1625

O objetivo do estudo da Alquimia aliado ao Tarô é congruência, a adaptação mútua. Não se trata de uma linguagem rebuscada de imagens antigas em cima de imagens também antigas. É fazer e estar em contato. Receber mensagens. Tenho repassado alguns conceitos dos livros e baralhos criados por Place. Sua tese é repaginada a cada publicação, com adendos e revisões sistemáticas dos métodos de leitura e da teoria dos símbolos. Mergulhar em temas como o Neoplatonismo e a Cabala, por exemplo, tem sido seguro porque o escritor oferece caminhos bem neutros através das próprias ilustrações, sem preconceitos nem fatalismo. Os sistemas adotados ou desenvolvidos em vários de seus trabalhos convergem na figura d'O Mundo, que é a Grande Obra alcançada. O trunfo XXI é a Quintessência, o processo completo da Alquimia — a Anima Mundi absolutamente exposta. Recompensa. Coroamento. A Pedra Filosofal.

Tarot of the Saints — Llewellyn, 2001
Alchemical Tarot — Hermes Publications, 2007

The Tarot of the Sevenfold Mystery — Hermes Publications, 2012

O número 21 reduzido a três [2+1=3], conforme pontua Place, evoca a Senhora do Mundo Terreno — A Imperatriz. Três são faces da Grande Mãe. Três é o conceito que une o par e supera a polaridade. Três são os hieróglifos da alma sobre a mesa. Três cartas. Retomar conceitos práticos [e simples!] da linguagem simbólica é uma postura saudável diante de tantos verdades disponíveis e tantas ditaduras em relação aos significados e ao funcionamento do Tarô. Precisa-se de pouco para haver uma revolução simbólica. Com poucos recursos e muitos esforços se atinge a meta. Assumir uma postura disciplinada em relação ao que já existe na estante é o mesmo que descobrir aqui e agora o tesouro mais cobiçado de uma terra longínqua. E reaprender a olhar as imagens é tão desafiador e fascinante quanto mergulhar nas águas da Grande Imagem Primordial. É como voltar para casa e fazer uma lição esquecida, esperando por correção. E ter nos baralhos e nos livros um mestre generoso, iluminado pela eloqüência. Talvez Place tenha acatado à pérola de Pietro Bonus, alquimista italiano do século XIV:

Qual a utilidade, para o mundo, de diamantes escondidos ou de tesouros secretos? Qual a utilidade de uma vela acesa quando escondida? É o inato egoísmo do coração humano que faz essas pessoas buscarem um pretexto pio para manter esse conhecimento longe da humanidade. 

Retificar, pela Alquimia, a linguagem dos símbolos. Compartilhar o conhecimento. Se essa arte é uma experiência de transmutação, como bem sabe Robert Place, o Tarô é o instrumento mais adequado às mãos do buscador. Através das cartas, revela-se. Tudo tem alma, dos metais elementais aos Arcanos Menores. Porque é bem assim: quem lê as cartas pode não ter tudo o que quer, mas tem tudo o que precisa — tanto para suscitar a sua própria evolução quanto para operar a transmutação nas pessoas. 

O Universo nas mãos. 





 Para conhecer e encomendar os títulos de Robert M Place, acesse o blog Tarot & Divination.
✦ Para leituras com o Alchemical Tarot, confira horários e condições AQUI.

15 de outubro de 2013

AQUELE QUE ENSINA




Aos meus amigos-mestres na arte de ensinar o Tarô 
— Alex, Marcelo, Zoe, Nei, Giane e Giancarlo — 
e aos que aprendem com ele




































Tarô é atitude, antes e depois de tudo. Atitude de destrinchar um caso, de mapear soluções, de prever os passos. Atitude de comprar, de investir, de adquirir conhecimento, de colecionar. De disponibilizar-se ao acaso que se faz centro. Tarô é atitude, independente do que falem por aí — que ele destroi o livre-arbítrio, que é um livro de figurinhas do Diabo, que não funciona ou mesmo que veio do Egito. Quem me conhece sabe o quanto eu gosto de colecionar Tarôs. Mas não qualquer baralho, veja bem — os itens que desejo adquirir devem servir para leituras, não apenas para mantê-los intactos em minha redoma de raridades. Devem servir ao conhecimento e, sobretudo, devem me ensinar. Pensando exatamente nas trocas possíveis entre o tarólogo e sua ferramenta de trabalho que na minha primeira resenha publicada em inglês no Aeclectic Tarot, transcrevi a 'entrevista' que fiz com o baralho em questão, o Tyldwick Tarot [clique AQUI para ler o original e a tradução]. O que poucos sabem é que esse é um costume até que antigo diante de todo e qualquer Tarô que chega às minhas mãos. Perguntar ao oráculo a quê ele vem, por exemplo, é uma forma de familiarização e adaptação ao conjunto de imagens que dispomos na mesa para montar os jogos da vida. E é a vida, justamente, quem nos coloca as lições, as dádivas e os percalços para fazer da nossa narrativa pessoal uma jornada. De herói. 

Justo hoje, Dia do Professor, me chega um exemplar do esgotadíssimo e em perfeito estado do Egipcios Kier*, publicado pela U.S. Games em 1984. Não, não veio do Egito e é bem sabido que o original, em espanhol, tem sido publicado pela editora argentina Kier desde a década de 1950, ao lado do clássico La Cabala de Predicción, de J. Iglesias Janeiro. Motivos mais que especiais para abrir o oráculo em consonância com o coração. O primeiro arcano avistado no caos simbólico que submeto o oráculo 'virgem', ao misturar todas as cartas e extrair a Carta Primeira, foi justamente o O Sacerdote. Ou The High Priest, aqui personificado como Anúbis, deus dos mortos, a autoridade que emerge para assentar a autoridade divina sobre os humanos. Sendo o detentor de poderes mágicos e divinatórios, é também a força-guia pelos meandros do submundo — aquele que dá acesso. O negro chacal me provê a noção de familiaridade com as desgraças e as maravilhas da existência — nada assusta o Grande Pai; a chefia dos cemitérios. É na figura do Mediador entre um reino e outro, do mais Alto ao mais Baixo, que reside a essência do Mestre. Sendo o regente da mumificação, posso enriquecer a ideia de que preza pelas verdades inquestionáveis e mantém intacta a máquina dos ajustes. É esta lâmina que tradicionalmente estimula o aprendiz a trilhar sua própria senda. O representante dos deuses na Terra, falando por meio deles. A ponte. Daí o Pontífice que bendiz com a mão direita. No baralho Kier, por sua vez, o emblema tânato governa o Conhecimento com o cetro enquanto o Equilíbrio define seu chão. A balança, 'o nada em excesso'. Sinais. São os sinais, aliás, que definem o caminho de um leitor de imagens diante de um oráculo até então novo, desconhecido, esperando pelas combinatórias.



ENTREVISTA AO TARÔ 






Depois de passear lenta ou brevemente pelas imagens, me coloco a embaralhar as 78 cartas enquanto formulo as questões de boas-vindas. Três, como as primeiras palavras de apresentação de um aluno a um mestre. Três, as respostas do oráculo ao buscador. Essa é uma forma rápida e poderosa de certificar-se das forças que permearão as leituras. Independente do número de cartas selecionadas e das perguntas mentalizadas, o que realmente interessa é a maneira como você vai trabalhar a[s] resposta[s], já que este é um exercício não só de familiarização como também de atenção e percepção aos símbolos. Sigamos, agora, pelo que tenho vivenciado hoje.



QUEM É VOCÊ?

39, Testimony | O Testemunho

Eu sou a prova viva de que o Conhecimento existe e está disponível aos que o buscam. Sou, através destes símbolos, a Sabedoria encarnada. Permita que suas dúvidas comecem a se tornar o pó que logo pisarás. O Caminho é teu. Eu sou o Caminho. Percebe que oferecer o teu melhor faz com que o ritual da excelência se cumpra. Somos as imagens de ti mesmo. O grande opera sobre ti. Vê com os nossos olhos, a janela que a tudo enxerga. O que ofereces, te será dado.



QUAL SUA MAGIA EM/ PARA MIM?

50, Attraction | Atração

Eu venho para promover a Beleza dos deuses sobre tuas palavras e visões. Percebe o quanto somos fascínio e luz! A compreensão de nossas lâminas favorece o Jardim. Ele brota em ti e toma o Mundo, desde que respeitadas nossas forças e arquiteturas. Somos símbolos concatenados com a Existência. A Senhora dos Véus me serve. A Magia consiste na forma e na aplicação da Verdade. A Magia opera em ti a partir da destreza em predizer nossas vontades. Os meus caprichos estão impressos na tua pele, nos teus olhos, na tua voz. A minha Magia define o oráculo que és. Meu nome é Serendipidade.


O QUE TENHO A APRENDER A PARTIR DE AGORA?

27, The Unexpected | O Inesperado

Segue com teus dons as rajadas. Vê como minhas flechas deturpam o que se estabelece? Eu vou contra o vento dos demais. Sou a diferença que buscas. O que não está agendado nem possui tempo para formular-se com exatidão. Se neste portal meu nome é Inesperado, recorre ao Acaso para que alimente ainda mais tua coragem em explorar nossos domínios. Há perigo em toda previsão, mas abençoa-se quem tem grandeza nas próprias sentenças. Eu assusto as surpresas e surpreendo o inconveniente. Deves, portanto, assumir a dádiva de ser um canal. A ser um artífice diante das alterações que não se pode evitar. Aprende a fortificar tua consciência e tua agilidade nos passos eternos a partir de ontem. Agora.


TODA E QUALQUER RESPOSTA PODE SER REVELADORA. 
E SERÁ.

Perceba que as respostas são como que canalizações. Para que aconteça isso, há de se ter em mente que toda resposta que você escrever, mentalizar ou pronunciar em voz alta a partir da análise individual de cada Arcano é importante para definir o que tal baralho lhe oferece e/ou exige. É uma maneira absurdamente fácil, aliás, de abordar qualquer outro maço e colocar à vista suas noções prévias a respeito de determinada imagem arquetípica. Todo e qualquer arcano do Tarô nos ensina, por mais que se considere esgotado o que se pode extrair dele. A predisposição a aprender deve ser unânime para que as palavras e as formas surtam efeitos proveitosos. 


A PIRÂMIDE DA MAESTRIA






Fiquei realmente surpreso com estas primeiras cartas. O caso do baralho Kier é único por ter uma estrutura diferente dos demais Tarôs. Respeitando esta estrutura e somando as três cartas sorteadas, obtenho O MESTRE deste oráculo para mim, que a partir de agora serei seu intérprete. E nada mais auspicioso que receber meu Arcano Pessoal como produto final: A JUSTIÇA, associada a Capricórnio e personificada como a deusa Ma'at, companheira de Anúbis no ofício da balança, ajustando minha performance com verdade e harmonia. Claro que meu fascínio pelo universo egípcio, adormecido há tantos anos, tende a voltar com força absoluta. É assim, pelo menos para este colecionador que vos fala, que se procede diante de uma aquisição — da mais aguardada à mais inusitada. Bons augúrios, verdade, para erigir os quatro lados de atitude daquilo que chamo de Pirâmide da Maestria — preceitos que o oráculo constantemente exige e proporciona:

Administrar o Mistério com coragem e grandeza.
Manter a predisposição a aceitar e a vivenciar os presságios.
Encarar o Tarô como um professor atemporal. 
Nutrir o mundo com a sabedoria adquirida pelo esforço.


Na medida em que o leitor se dispõe verdadeiramente a aceitar e a absorver a magia dos símbolos, o caminho do genuíno conhecimento começa a se ladrilhar aos seus pés. O Mestre é aquele que ensina quando o Neófito age.



L.







I N D I C A Ç Õ E S


Nelise Carbonare Vieira
principal divulgadora do Tarot Egípcio Kier




















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Saiba que ele tem história.

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principal referência sobre o ensino e a prática de leitura deste deck único.

Neste link do Clube do Tarô você pode se enveredar pelas cartas 

a partir da galeria e dos textos compilados. 

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