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10 de setembro de 2011

LEMOS MAL O MUNDO




Lemos mal o mundo
e logo dizemos que ele nos engana.

Quantas barricadas o pensamento
do homem ergue contra si próprio!

Se lanço minha própria sombra no caminho
é porque há uma lâmpada em mim
que ainda não se acendeu.




Rabindranath Tagore
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8 de setembro de 2011

VIRTUDE XIV



A temperança é essa moderação pela qual permanecemos senhores de nossos prazeres, em vez de seus escravos. É o desfrutar livre, e que, por isso, desfruta melhor ainda, pois desfruta também sua própria liberdade. Que prazer é fumar, quando podemos prescindir de fumar! Beber, quando não somos prisioneiros do álcool! Fazer amor, quando não somos prisioneiros do desejo! Prazeres mais puros, porque mais livres. Mais alegres, porque mais bem controlados. Mais serenos, porque menos dependentes. É fácil? Claro que não. É possível? Nem sempre, sei do que estou falando, nem para qualquer um.É nisso que a temperança é uma virtude, isto é, uma excelência: ela é aquela cumeada, dizia Aristóteles, entre os dois abismos opostos da intemperança e da insensibilidade, entre a tristeza do desregrado e a do incapaz de gozar, entre o fastio do glutão e o do anoréxico.



A temperança pertence, pois, à arte de desfrutar; é um trabalho do desejo sobre si mesmo, do vivo sobre si mesmo. Ela não visa superar nossos limites, mas respeitá-los. Ela é uma regulação voluntária da pulsão de vida, uma afirmação sadia de nossos poder de existir, em especial do poder de nossa alma sobre os impulsos irracionais de nossos afetos ou de nossos apetites.


A temperança não é um sentimento, é um poder,
isto é, uma virtude.

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André Comte-Sponville | Petit Traité des Grandes Vertus.
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18 de junho de 2010

Fecha-se o caderno.



Para ti, saberás, não há descanso,
A paz não é contigo nem fortuna:
O signo assim ordena.
Pagam-te os astros bem por essa guerra:
Por mais curta que a vida for contada,
Não a terás pequena.

SIGNO DE ESCORPIÃO | José Saramago
(1922 - 2010)
in Os Poemas Possíveis
Editorial Caminho, Lisboa, 1982.


Foi um susto.
Anteontem descobri os poemas dele.
Vasculhei a internet e soube que Os Poemas Possíveis e Provavelmente Alegria, os dois volumes de poesia, não estão nas prateleiras do Brasil. Pela Einaudi, casa de livros italiana, saiu o Le Poesie, reunião dos dois títulos que trazem ainda os originais em português. Minha chance. Ontem fui correndo até a livraria antes que fechasse. Voltei feliz pra começar a entranhar os escritos hoje. Hoje, justo o dia em que Ela foi visitá-lo.


É, são as intermitências.
Por que as coincidências, tsc tsc, não acredito nelas.


L.



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O ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA NO TARÔ
CLIQUE AQUI

28 de dezembro de 2009

PÍLULAS DA BEM-AVENTURANÇA

ou A Saga do Herói no Tarô


O herói é alguém que deu a própria vida por algo maior que ele mesmo.




Há dois tipos de proeza do/para o herói. Uma é a proeza física, em que ele pratica um ato de coragem, durante a batalha, ou salva uma vida. O outro tipo é a proeza espiritual, na qual o herói aprende a lidar com o nível superior da vida espiritual e retorna com uma mensagem. O herói evolui à medida que a cultura evolui. É o feito típico do herói - partida, realização, retorno.



Na Idade Média, uma imagem predileta, que ocorre em muitos, muitos contextos, é a da roda da fortuna. Existe o eixo da roda e existe a borda da roda. Por exemplo, se você estiver preso à borda da roda da fortuna, você estará ou acima, no caminho descendente, ou abaixo, no caminho ascendente. Mas se estiver no eixo, você estará no mesmo lugar o tempo todo, no centro. Este é o sentido do voto de casamento - eu a aceito na saúde ou nada doença, na riqueza ou na pobreza: no caminho ascendente ou no descendente. Se eu a tomo como o meu centro, minha esposa é a minha bem-aventurança, não a riqueza que possa trazer-me, não o prestígio social, mas ela, em si. Isso é que é perseguir a bem-aventurança. Estamos vivendo, o tempo todo, experiências que podem, ocasionalmente, conduzir a isso, uma breve intuição de onde está nossa bem-aventurança. Agarre-a. Ninguém pode dizer-lhe o que será. Você precisa aprender a reconhecer a sua própria profundidade.



Nossa vida desperta o nosso caráter. Você descobre mais a respeito de você mesmo à medida que vai em frente. Por isso é bom estar apto a se colocar em situações que despertem o mais elevado e não o mais baixo da sua natureza. Chamar alguém de herói ou monstro depende de onde se localiza o foco da sua consciência.


Joseph Campbell
O PODER DO MITO

5 de outubro de 2009

MATISSE,TAROT E FOTOGRAFIA EM SÃO PAULO


Matisse desenhando uma odalisca
, 1928.
Museé départemental Matisse, Le Cateau-Cambrésis.

Domingo é sempre dia de descanso, de passeio, de sol. Nessa onda de fotointerpretações se destacando em Salvador, arrisquei um novo poema. Acordei meio artista [e sei que isso não passa] e me programei pra visitar a Pinacoteca da estação da Luz. Matisse Hoje, mais uma exposição do convênio Ano da França no Brasil, vem ilustrar a programação artística do nosso país. Perfeito.

Um dos meus favoritos, ao lado de Van Gogh e Frida Kahlo, Matisse encanta fácil. Nessa mais que merecida mostra individual, que traz inúmeros de seus trabalhos, destaca-se Jazz. É nesse livro de recortes e colagens animados com guache que Matisse traduz os jogos de sons ritmos desse estilo musical. Completo por experimentar as artes visuais e plásticas em vários formatos e modalidades, Matisse se destaca por beber de fontes importantes como Cézanne e por adotar o Fauvismo como chave e motivo da sua riqueza de detalhes e cores. Chega a oferecer influências para a decoração e a inspirar os amantes do espaço harmonizado por móveis, plantas e tecidos.


Capa do livro Jazz, de Matisse.

Disponível para apreciação na Pinacoteca.

Por falar em inspiração, é impossível deixar passar batido o meu apreço por suas pinturas e também pelas fotografias de sua casa e de suas oficinas. Acabei lendo as imagens e associando-as à minha galeria interior, onde estão expostas grandes painéis de arcanos e suas mil combinações. E eis que na internet, fui assegurar que uma imaginação é realidade: um tarot de Matisse.


Matisse Tarot, de Jason Long. Tiragem limitadíssima.

Mas descendo as escadas da mansão , dou de cara com as exposições permanentes. Entre as fotografias de German Lorca, encontro as do português Fernando Lemos. É aí que o tarot se materializa depois de meus passeios pelos bosques de tinta e papéis combinados.


Auto-Retrato, 1949-1952

Um retrato do Pendurado, uma mesa com café e cadernos de desenho, lapidações de Brecheret e a imponência arquitetônica e artística de dois séculos: perfeito para um domingo perfeito. Olhos abertos, livres e repletos de matizes.

Leo






MATISSE hoje | aujourd´hui
Pinacoteca do Estado de São Paulo De 5/09 a 1/11
Aberta de terça a domingo das 10h às 17h30 | permanência até as 18h.
Ingressos: R$6,00 e R$3,00 (meia). Grátis aos sábados.

www.pinacoteca.gov.br

28 de janeiro de 2009

O PENSAMENTO TAROLÓGICO DE JODOROWSKY


O iPod, o caderno de desenho, o livro de consultas, o felino e a Via do Tarô que encontrei em Veneza.
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Alejandro Jodorowsky é cineasta, escritor, roteirista de quadrinhos, místico, terapeuta, psicomago e tarólogo. Mesmo louco e polêmico como muitos afirmam, sua obra em relação ao tarô merece destaque e respeito. Longe de suscitar mudanças radicais nas engrenagens da prática da leitura do tarô no mundo – o chileno crê, por exemplo, que nenhuma consulta deve ser cobrada –, destaca-se a restauração do famoso baralho de Marselha como seu ingresso na história contemporânea dos arcanos e sua importância simbólica para o ocidente. Do tarô e dele, propriamente. Enquanto tarólogo, sinto extrema satisfação de traduzir e trazer a público, por meio do Clube do Tarô, a conclusão da bíblia arcana que Jodorowsky criou ao lado da atriz e escritora Marianne Costa. Depois da extensa anatomia das lâminas retrabalhadas com o mestre de cartas Philippe Camoin em 1998, o artista multimídia discorre sobre a importância da relação leitor/consulente e o poder das cartas na vida de ambos. São lições valiosas que, se absorvidas com atenção e sem pré-julgamentos, podem expandir os conceitos de interpretação e visão do mundo através dos 78 portões de sabedorias e caminhos infinitos. Um ganho para o tarô.
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Boa leitura. E boas leituras.
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Leo
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O PENSAMENTO TAROLÓGICO DE ALEJANDRO JODOROWSKY.

Tradução livre a partir da quinta edição do livro La Via dei Tarocchi, de Alejandro Jodorowsky e Marianne Costa, publicado em fevereiro de 2008 pela Giangiacomo Feltrinelli Editore de Milão.

E MAIS um artigo sobre a restauração do Tarô de Marselha.


LEIA AGORA NO Clube do Tarô.

24 de dezembro de 2008

ARCANOS NA PINTURA MUNDIAL II

Continuo agora com as associações entre os arcanos maiores e as mais importantes telas da história da Arte eleitas pela revista BRAVO! Especial 100 Obras da Pintura Mundial, publicada pela editora Abril. Se você chegou agora no Café Tarot e não viu a primeira parte da galeria, desça até a postagem anterior. No final desta, lanço os devidos créditos bibliográficos. Então, mãos à(s) obra(s).
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O PESADELO Henry Fuseli
O PENDURADO
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Aclamada e considerada por Goethe a obra que motivou a consagração artística do pintor e literato suíco Henry Fuseli, O Pesadelo esbanja obscuridade e traduz, pelo macabro, a atmosfera conflituosa e complexa da psique humana - a imaginação, o sonho, a visão turva da realidade pelo inconsciente. Eis a expressão quase corporal do arcano 12, O Pendurado. Se assemelham pela postura desconfortável de um aprisionamento, seja ele onírico ou real.
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O TRIUNFO DA MORTE Pieter Brueghel
A MORTE
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Tendo por inspiração a "dança da morte", manifestações dramáticas que tratavam dos castigos do mundo como a peste negra na Europa, por exemplo, a tela de Brueghel ilustra os episódios de uma chacina causada por esqueletos que, além de plebeus, esquartejam e judiam de reis, nobres e cristãos. Metáfora mais que nítida do "arcano sem nome" do fim garantido para todos os homens, independente de sua classe ou função social. Penso até que a carta pode ser um quadro resumido que sugere toda a coreografia e devastação da inominável. Se na obra temos os tons rubros evocando os campos infernais, a sangria usada pelo ilustrador espanhol Luis Royo no Labyrinth Tarot também dá essa idéia. Não só em tons mas em significado as pinturas dialogam. Osso por osso.
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NO SALÃO DA RUE DES MOULINS Toulouse-Lautrec
A TEMPERANÇA
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As analogias aqui parecem absurdas num primeiro momento. Porém, analisando mais de perto a expressão boêmia do francês Lautrec em retratar prostitutas afeta os atributos da Temperança no que diz respeito ao tédio, à rotina e aos movimentos ensaiados de braços e pernas, todas as madrugadas. A alquimia do arcano 14 se dá na mistura de cores e impressões móveis da obra, que transcende o marasmo dos bordéis. Rosa la Rouge, a ruiva ao centro da pintura, seria a mulher que verte os jarros da decadência parisiense que consumiu o pintor - em um deles, o álcool e no outro a sífilis, fluidos letais ao seu talento. A temperança é a Arte, em todos os sentidos, tons e cheiros. A justa medida entre o belo e promíscuo: Lautrec no tarô.
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O SABÁ DAS BRUXAS Francisco de Goya
O DIABO
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Os que conhecem a Bruxaria sabem o que estão vendo. E quem não domina as Artes Negras como as feiticeiras da pintura, podem ver o harém diabólico de prazeres deturpados e oferendas de rebentos ao deus do gozo. "Aquelarre", o prado do bode, ilustra o imaginário do povo espanhol que testemunhou durante tempos a perseguição inquisitorial de bruxas e sacerdotisas do Diabo. Mais que um desejo de obter poderes sobrenaturais, Goya pincelou os ignorantes apelando aos rituais para acabar com a miséria. A pintura do Thoth Tarot é o deus dos prazeres, aquele da malícia e do poder da vontade sobre o mundo. Mais real que se pensa, os bodes conversam entre si e com seus "escravos". Maior fracasso é não acreditar neles.
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TORRE EIFFEL Robert Delaunay
A TORRE
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A Torre Eiffel, símbolo máximo de Paris, é destruída por Delaunay. A palavra de ordem aqui, clara tanto na obra quanto no baralho Morgan-Greer, é fragmentação. As estruturas metálicas se desintegram pelo sol assim como o fogo, os raios e as bravas ondas tratam de corroer o esquema interno da construção. O pintor francês é considerado o criador do "cubismo órfico", tendência que agrega uma faceta lírica às exatidões do movimento tradicional.
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A EXPULSÃO DE ADÃO E EVA DO PARAÍSO Tommaso Masaccio
A TORRE
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Não podia deixar de mostrar essa outra obra devido à semelhança gritante com os antigos baralhos minchiate. O portão do paraíso é curiosamente parecido à saída lateral das antigas lâminas da Torre. Os raios acima do casal da pintura, representação clássica da voz do Criador e o Gabriel empunhando a espada dão lugar, respectivamente, às chamas internas e ao fogo que vem do alto - representado em outros baralhos pelo tradicional raio de fogo que destrói a cúpula do edifício. O termo A Casa Deus, portanto, tem uma provavél comprovação devido ao afresco italiano de 1425.
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O NASCIMENTO DE VÊNUS Sandro Botticelli
A ESTRELA
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Êxtase pode ser, com certo exagero, a palavra que descreve a reação ao observar a mais famosa tela de Botticelli na Galleria degli Uffizi, em Florença. Falo por mim, é claro, mas não há como discordar que toda a delicadeza da tela abençoa o arcano 17, A Estrela, com o que os artistas e poetas há séculos chamam de Beleza. Se a deusa mitológica nasce das espumas do mar, o arcano, por sua vez, verte suas ânforas na água. Ambas dialogam de forma sublime pela total dependência do elemento para que possam florescer ao mundo. A carta do tarô suspira renovações, criatividade e esperança. Acaba-se o tédio da Temperança e os líquidos são despejados, assim como as vestes. Se Vênus cobre suas intimidades, Estrela despreocupa-se com elas: é como ver a verdade em sua mais pura existência. Puro êxtase.
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A NOITE ESTRELADA Vincent van Gogh
A LUA
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Van Gogh, o lunático, marca presença na galeria arcana com a cena noturna mais bela que a França já viu. O incrível é que ele teve uma relação íntima com a noite desde que se mudou para Arles, cenário que serviu de inspiração para as mais belas obras de seu acervo. Mas foi essa que semeou os traços do Expressionismo devido à sua mente perturbada - atributo da Lua do tarô, óbvio. Pintou-a durante o dia, apenas com a lembrança da noite em que passeava com o enfermeiro após ter sido internado no sanatório de Saint-Paul-de Mausole. O ambiente do arcano tonifica as semelhanças com a tela: as torres da figura tradicional do tarô, como na do Ancient Italian, dialogam diretamente com o alto cipreste da esquerda e a torre pontiaguda da igreja lá embaixo na cidade. Alguém que observava os céus e dizia "Assim como tomamos um trem para Rouen, tomamos uma estrela para chegar à morte", só pode ter influência do arcano da madrugada. Loucura. Melancolia. Lua.
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OS GIRASSÓIS Vincent van Gogh
O SOL
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Se antes era perturbadoramente noturno, agora vê a luz do arcano 19 e pinta o vaso de flores mais famoso da história da arte. A tristeza é subtraída e a luminosidade é adicionada, criando uma verdadeira alegoria da vida e da morte em miríade amarelada de metáforas. Respeitando o ciclo da natureza, a essência da tela está na necessidade da existência irradiar beleza, fazendo com que o maquinário da vida não prevaleça sobre o ser humano. E é de relações humanas que trata o arcano 19 ao mostrar duas figuras se encontrando com os olhos e se tocando em sinal de reconciliação e acordo, como no Morgan-Greer. Em ambos a vitalidade explode. As cores se combinam em harmônica efusão. Como se fosse um jardim aberto. Um campo ensolarado de girassóis movimentando a vida.
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O ENTERRO DO CONDE ORGAZ El Greco
O JULGAMENTO
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Eu sei bem que O Julgamento encena um novo começo, uma nova realidade de uma outra era, com o momento de acertar as contas, independente de quem você é. Por isso que, limitado ao que a revista me oferece, associo O Enterro ao arcano 20. Um dos argumentos mais visivelmente comprovados na comparação é que ambos retratam o terreno e o celeste. O conde se desprende do corpo físico e ascende aos céus revendo toda a sua vida pelas esvoaçantes nuvens do tempo. Nessa "sinfonia fúnebre" que é o arcano do Juízo, vemos até mesmo os santos Estêvão e Agostinho virem buscar o maior nome da cidade espanhola de Toledo, assentuando sua importância em receber o julgamento. Não se pode esquecer que o cenário tradicional da carta é um cemitério, várias vezes concebido com vários túmulos abertos para o momento crucial da existência, que eu sei (e que você também sabe) qual é.
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A DANÇA Henri Matisse
O MUNDO
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Assim que bati os olhos em Matisse, vi O Mundo. Sua tela mais famosa encerra com maestria a associação das cartas numeradas às obras de arte. Nesta, em especial, o artista engloba toda a expressão humana em uma celebração artística da poesia, da pintura, da música e da dança - as próprias verdades do tarô e o resumo conceitual do arcano 21 do tarô Rider Waite, que mostra a dançarina provida dos quatro elementos que viabilizam a existência. O solo é o horizonte da Terra, o azul a profundidade do espaço sideral e, as figuras em festa, o elo definitivo entre o chão e o céu - efetivando a relação terreno-celeste da lâmina anterior. O quadro "é a síntese de símbolo e realidade corpórea", segundo o Giulio Carlo Argan, crítico de arte. Eis a realidade cósmica de uma carta de tarô e uma tela pintada a óleo. Eis o mundo.
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O FILHO DO HOMEM René Magritte
O LOUCO
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Para alguns, O Louco é tudo no tarô. Para outros, é um mero arcano sem número e, por isso, sem lugar e importância nos jogos e nos estudos. Ainda bem que essa segunda turma é bem pequena, pois mesmo sendo o arcano sem número definido, ele é o mais enigmático símbolo em meio a tantas páginas soltas desse livro da vida. De tão louco, pelo sutil ele chega a ser surreal. Daí a deixa importantíssima para Magritte marcar presença. "O Filho do Homem", obra famosa por ser uma verdadeira incógnita, é a única tela da publicação que faz o bufão rir e espelhar semelhanças. O mais incrível é que não há nenhum significado metafórico para a maçã verde cobrir seu rosto ou estar contra um muro baixo que o separa das águas. Ele evoca o mistério, segundo a explicação do pintor. E o mistério, assim como a identidade do Louco, é irreconhecível. Basta nos atermos à imagem do Thoth Tarot, por exemplo, é cercar algum traço de racionalidade. Mesmo se houver, para quê serve? Ele é questionado, mas sempre questiona quem o observa. Sutilmente.
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No fim, cada arcano acabou tendo uma pintura que corresponde à sua natureza em algum momento. Não que sejam as únicas a espelharem o tarô, muito pelo contrário. Elas são apenas sugestões do que pode ser visto através das figuras mais misteriosas do mundo. Futilidade para alguns, a disciplina "Arte e Tarô" merece respeito e reconhecimento. É um caminho de identificação; um ingresso definitivo para desvendar as semelhanças e segredos do museu arcano. Viva a liberdade visual. É ela que amplia - caso respeitemos a estrutura simbólica do baralho - a nossa capacidade de ler o mundo. Pés no chão. Olhos em tudo.
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Novidades a caminho.
Um super Natal,
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Leo
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CRÉDITOS
Pinturas - Google Imagens www.google.com.br
Tarôs - Taroteca www.taroteca.multiply.com

15 de dezembro de 2008

ARCANOS NA PINTURA MUNDIAL I

Ontem eu estive garimpando na Livraria Cultura do Conjunto Nacional. Encontrei tarôs novos, livros de astrologia pra alimentar meu renovado interesse no assunto e a "BRAVO! Especial 100 Obras Essenciais da Pintura Mundial" na revistaria, pra instigar meu gosto por arte.
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Antes de rasgar o lacre, já pensei no que ia fazer por aqui: elencar as obras que mais tem a ver com nossos amados arcanos. Não é um tarefa fácil, mas também nada impossível. Nesta parte da "mostra" estão as onze cartas iniciais, totalizando os 22 arcanos maiores ao lado das obras associadas. Cada uma traz tanto os atributos conceituais quanto às semelhanças visuais entre as figuras. Começo com a tela mais famosa do planeta, que obviamente ocupa o primeiro lugar no ranking da publicação:
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MONA LISA Leonardo Da Vinci
A SACERDOTISA
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Assim como a mulher retratada em 1500, o segundo arcano maior é digno de todos os mistérios que cercam sua identidade. Seu sorriso enigmático é a prova de que a pintura penetra com força e ao mesmo tempo sutileza o subconsciente do observador, convidando-o a adentrar em seus véus de significados prováveis, porém nunca conclusivos. As palavras-chave mais comuns aos que admiram La Gioconda são reclusão, segredo, charme , serenidade e até mesmo sensualidade - características encarnadas na papisa do tarô.
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AULA DE ANATOMIA DO DR. TULP Rembrandt
O MAGO
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Certo, eu inverti a ordem arcana justamente pela importância da primeira tela. Mas aqui, não menos importante, temos Rembrandt, que é capa do famoso A Hora das Bruxas, de Anne Rice. Ilustra, especificamente, os atributos do Mago com o florescimento da anatomia no campo da ciência, nos idos de 1632. O tabuleiro do prestidigitador no Visconti-Sforza se torna um cadáver experimental. E não é de experimentos que se faz um mago digno de fama? A escuridão dourada do antigo trunfo dialoga com a penumbra do pintor holandês. O Mago, assim como o anatomista, lida com as realidades - mesmo que internas - do ser humano.
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A VÊNUS DE URBINO Ticiano
A IMPERATRIZ
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Ticiano, o veneziano. Há quem não goste de suas telas, mas eu não nego: sou fã. Esta Vênus, com toda a sensualidade imperial possível, é digna de estar entre as 100 obras. Mostra a feminilidade com pureza e erotismo, características que espelham a carta do tarô. Não é a minha preferida, mas agrada. Contrastam as curvas do corpo com a figura de Frieda Harris, cujo escudo dá lugar ao cão e à empregada - símbolos puros de fidelidade e proteção. Entre tantas telas possíveis para este arcano, escolhi essa pela composição e pelas impressões causadas quando a lemos: majestade, conforto, poder e libido. Imperatriz, portanto.
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RETRATO DE CARLOS I DA INGLATERRA
Anthony Van Dyck
O IMPERADOR
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A tela de Van Dyck mostra o monarca Carlos I a frente de seu cavalo e diante de uma bela paisagem. Embora não tenha sido imperador, a tela de Carlos I desbravou a tradição dos retratos aristocráticos até o século 18 em seu país. O monarca acabava de voltar de uma caçada, mas ao lado do quarto arcano maior, pode-se vislumbrar que todo o local é de seu pleno domínio. Não é para o império que o governante fita do alto de seu trono? Van Dyck cristalizou o conceito de nobreza elegante ao versionar personagens da corte em posturas rígidas, altivas e confiantes - como um imperador deve ser.
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ESTUDO A PARTIR DO RETRATO DO PAPA INOCÊNCIO X DE VELÁZQUEZ Francis Bacon
O SACERDOTE
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Assusta, né? Mas aqui não vou apelar aos atributos maldignificados do arcano. Me limito a associar a carta à obra que consta na revista. Bacon, no último ano da década de 40, pintou o que chamava de realidade "crua", destoando da tela original de Velázquez. Afinal, não se importava com interpretações ou releituras, queria mesmo era criar. De tão desprendido de seus trabalhos, não ligava de desfazer-se deles. Os papas aqui dialogam na semelhança da posição - e só. O que Bacon considerava como crueza, se encontra por trás do arcano. Como nos dias de hoje, com o sumo-sacerdote do Vaticano que não expõe à toa seus ideais.
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O BEIJO Gustav Klimt
OS AMANTES
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Eu não podia deixar de usar o próprio Tarot de Klimt, publicado pela Lo Scarabeo, para ilustrar o sexto arcano maior. A tela marca o auge do Art Nouveau e está impressa em todo o tipo de material, no mundo todo. Klimt, como o tarô, é pop. Ao pintar indecências e mesclar indivíduos apaixonados, tornou-se um dos artistas mais conhecidos do Ocidente. Muito ouro, muito brilho e pouca modéstia ao criar os quadros mais impressionantes e atraentes que a Áustria já teve. Sua liberdade fala alto à carta do tarô: entrega, desejo, sedução, envolvimento - alguns dos atributos do arcano da encruzilhada amorosa.
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TAMARA NO BUGATTI VERDE Tamara Lempicka
O CARRO
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Contemporânea de Picasso, Gide e Cocteau, Lempicka nasceu na Polônia e mudou-se para a França ainda jovem. Pintada para a capa de uma revista de moda, a tela associada ao sétimo arcano maior garantiu sua permanência entre os maiores nomes da art déco. É a imagem da mulher independente que guia sua vida como bem entende. Assim também ocorre no Housewives Tarot, escolhido especialmente pela cor do carro em ambas as figuras: as duas mulheres fazem suas compras e, mais que donas de casa, são donas dos seus próprios narizes. A ousadia do poder feminino na década de 50, com tantas revoluções, pode também dialogar com a época de Lempicka, bem antes, em 1925, com sua liberdade. Vivenciou a boemia cubista parisiense e surpreendeu o meio pelo seu hedonismo. Livre, como o auriga do Carro se sente.
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FIGURA DE MULHER Juan Gris
A JUSTIÇA
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Outro nome do cubismo, desta vez analítico, é o espanhol Juan Gris. Conhecido por suas expressões puramente intelectuais, longe de convenções artísticas batidas, sua tela se equipara à oitava lâmina especialmente pelo seu caráter mental de concepção. Trabalhando dedutivamente do abstrato para o concreto, é nítida a característica da Justiça: o pensamento, a intuição que se cristaliza em razão. As imagens conversam pela posição, como no Papa. A espada que a mulher empunha no tarô Morgan-Greer se confunde com alguma das linhas retas que dão impressão de corte, de justeza. Criador do cubismo "sintético", Gris incentivou as pesquisas sobre esta escola com toda a consciência de um artista que se basta. E claro, de uma carta que fala por si.
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A CIGANA ADORMECIDA Henri Rosseau
O EREMITA
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Relutei por um momento em "arcanizar" A Cigana Adormecida, mas a gama de pinturas que a publicação oferece me obrigou a isso. Pensei nela como arcano 11 devido ao leão, mas aqui não há situação de força ou domínio braçal de feras. A tela, que já foi ridicularizada e também chamou a atenção de Picasso, está fora de qualquer escola ou movimento artístico. Ela expressa sua visão particular do mundo, sugerindo toda a fantasia noturna que permeia o solitário do tarô - que também não se encaixa em vanguardas. A não ser, é claro à sua própria e íntima verdade. Os montes da imagem do Secret Tarot parece ligar-se aos da cigana, dando uma idéia de continuidade.
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O PARAÍSO Tintoretto
A RODA DA FORTUNA
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Outro veneziano, desta vez conhecido pelo tradicionalismo renovado e impactante, Tintoretto é dono da única obra do acervo que sussurra a circularidade e a idéia de hierarquia da carta do tarô. Influenciado por Michelangelo e Ticiano, o pintor conseguiu criar magnificamente o turbilhão de emoções das almas que ascendem ao paraíso. Toda a jornada de Dante Alighieri e toda a jornada humana, em suas voltas, seus altos e baixos. Outra aproximação do arcano seria refletir sobre a boa fortuna de poder alcançar as moradas eternas. Não é pra qualquer um.
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RETRATO DE MARIE-THÉRESE WALTER Pablo Picasso
A FORÇA
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Picasso conheceu Walter na saída das Galerias Lafayette, convidando-a para ser modelo de algumas telas. Mesmo casado, com 45 anos, o artista se apaixona pela garota de 17 que se torna sua amante. O diálogo com a carta do tarô se dá, antes de tudo, pelas semelhanças - a lemniscata camuflada nos chapéus, as roupas requintadas e o rosto pacífico. Em seguida, se associam pelo caráter erótico da pintura e os atributos sexuais que a lâmina carrega. A atmosfera da época, para o artista e para a jovem, era de luxúria, prazer e distorção de formas, como vemos aqui de forma serena no retrato. Deu-se o florescimento de Picasso, desabrochado espontaneamente, quando a jovem surgiu em seu caminho criativo e o fisgou. No fim, Marie-Thérese disputou o homem com outra mulher e enforcou-se aos 68 anos. Mas esse detalhe não diz respeito ao arcano em questão - que inspira a beleza, a diplomacia e o domínio silencioso sobre a fera - no caso, o gênio dos pincéis.
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Tarô é arte, indiscutivelmente. Quando leitores, estudantes ou curiosos me perguntam sobre a importância de associar as cartas à cultura popular, às cenas cotidianas e mesmo às obras de um museu, eu digo que é justamente para aprender a enxergar a vida - porque as cartas são espelhos da realidade que conversam com as cores, com as fantasias e com as idéias que temos por trás dos olhos. Faz bem. Por isso eu continuo em breve.
Aguarde.
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Leo