4 de dezembro de 2019

UM TAROT PARA IANSÃ



Acerca do verso “encanta, mãe, o meu ofício de raio”, abro as palavras para aventar significados. Eles vêm de quem o lê. Mas ofício de raio é escrever, que faz descer a divindade ao papel ou à tela, queimando os olhos e acendendo tudo. Escrever é ritual; ler é comungar. E o oráculo é o jardim propício em que as forças — essas forças — convergem.

Para um Tarot regido por Oyá, respirei fundo enquanto olhava as nuvens de chumbo. Uma carta pulou do baralho com alguma rispidez. Vi qual era, entendi o recado, misturei com as demais e continuei embaralhando. Minutos e mais minutos pensando no que deve ser escrito a respeito do que deve ser considerado neste momento, em todos os seres e estares. Parei, respirei o cheiro aberto do tempo nublado e cortei. De novo o mesmo arcano — escolhido por ela, é claro: A RODA DOS VENTOS, A MÁQUINA DA FORTUNA.

E não é que neste 4 de Dezembro, em meio a torres desmoronando e outras aguentando firme, no tempo bom tempo ruim, o décimo arcano do Tarot vem como rajada clareza a respeito do que passa e do que fica? Pense bem no que deve ser cortado e no que deve ser mantido. Com esse presságio, saibamos que nossa destreza receberá o sorriso de Oxum, Iyá de mim. Mas se algo desata ou desanda, prudente é encarar os medos e proteger-se de todo mal — mal que nós mesmos empinamos no céu da vida.

Estamos em guerra longa contra ignorância e injustiça, e só uma postura genuína de coragem nos apruma na tempestade. Somos nossa família, nossa política, nossa casa, nosso espírito, nossa voz. Somos quem canta no pior momento, mas ainda assim encantamos. Aqui se fala de resistência, de enfrentamento em nome da liberdade e da beleza. Por isso tão justo esse ofício. De ser coração sem deixar de ser lâmina.

Há tanto sagrado ao redor que só o trovão e a gira para que acordemos, não é? Então acorda e repara. Porque a Senhora passa, pousa no aro do Destino e, com a sagrada força das rosas, bem rente à espada, nos convoca sem demora: 

FAÇAM VENTANIA. E DANCEM.




Meu nome é Leo Chioda e eu vos escrevo. A imagem é composta por uma gravura de Pedro Rafael, presente no livro Mitologia dos Orixás, de Reginaldo Prandi, publicado pela Companhia das Letras. A RODA DA FORTUNA é uma iluminura da incrível Carola Trimano, do Ateliê Pássaro de Papel.

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