29 de fevereiro de 2008

BAHIA DE TODOS OS ARCANOS


Saudade, saudade.

“Você já foi à Bahia?”, perguntava o Zé Carioca em Los Tres Caballeros. “Eu já”, respondia pra mim mesmo, enquanto explorava cada viela do Pelourinho, bebendo cores de telas, fachadas e portões coloniais ao som do Olodum tocando na outra ponta. Arte, arte por todos os lados. Do Balé Folclórico aos rochedos próximos do Forte, senti cada um dos ritmos. Nítidas heranças. Falas e gestos de um povo sempre de férias que faz da vida uma festa. Fortíssima a luz do Salvador, o próprio arcano 19 banhando cada praia e prédio da cidade.
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O mochileiro resgatando suas cartas._
A Bahia, aliás, é de todos os santos, de todos os orixás, de todos os arcanos. Impossível passar despercebida qualquer carta do baralho, seja nos azulejos da Igreja da Ordem 3ª, seja nos monumentos das praças e nas baianas com seus tabuleiros - de iguarias, claro. O jogo é de som, cheiro e sabor. Capoeira, dendê e camarão. Céu azul, mar azul. A água é cristalina e são quentes os tons pintam o meu crepúsculo no Farol da Barra.
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O descanso do Arcano 19.
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Foram muitos dias pelo Nordeste – no meio da magia de Campina Grande, nos céus de João Pessoa e nas águas verdes de Recife. Só que não me considerei turista em nenhum momento. Sou viajante, escuto os lugares. Minha emoção é silenciosa, ninguém percebe. Vejo cada movimento e os guardo naturalmente, como se me contassem uma história em voz alta, repleta de detalhes. Por isso não são necessárias muitas fotografias – o baralho é sempre o meu álbum de viagens. Ele se abre assim que desembarco e cada arcano me foge enquanto espero a bagagem. Durante os passeios as capturo uma a uma. Não tem erro: os olhos testemunham e a memória registra. Envio direto pra caixa aqui do peito.
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Todas as cores do Pelourinho.
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Então chega o momento de me despedir dos mares. Foi incrível o contato com eles nestes dois últimos meses. Mais que nunca foi grande a vivência do naipe de Copas. Ele todo fazendo a festa. Aproximações sentidas na pele, transformações ocorridas no dia-a-dia. E uma nova consciência sempre se moldando, é claro.

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Quero mais, Brasil. Me leva que eu vou!

Muito, muito obrigado.

Axé, agora e sempre.

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Leo

31 de janeiro de 2008

NOSSA NOVA CONSCIÊNCIA



Transformar emoções e experiências em notas e crônicas pode, muitas vezes, ser um árduo trabalho. Acabo tecendo comentários, descrevendo lugares, associando imagens e realidades, que é vivenciar os momentos e depositá-los na sagrada caixa de memórias que temos dentro do coração. Comigo é assim, principalmente quando saio de casa e sabendo que vou encontrar novos significados, novos destinos.


Desembarcando em João Pessoa, como Marcelo, Alexsander e Gian.
O primeiro deles foi a Paraíba. É lá, na terra do “Maior São João do Mundo”, que também acontece o maior encontro de crenças, de artes, de cores e de conhecimentos. O Encontro para a Nova Consciência é um grande reduto de cultura e comunhão de ideais que conta com figuras místicas e agnósticas, representantes de instituições científicas, pesquisadores, músicos, cantores e abordagens de temas atuais, como o aquecimento global e a intolerância religiosa.


Depois da caminhada, a magia foi compartilhada.

Toda essa mistura acontece durante dias de Carnaval na saudosa Campina Grande, pertinho de João Pessoa. Acredito que a energia humana, que pulsa mais forte no período das folias, abastece cada pedaço do país – influência positiva regada à música, à alegria, à descarga de preocupações e às danças típicas. “Somos abençoados”, me pego pensando no dia da abertura, ao som celestial que Marsicano oferece. “Nos abençoamos”. E já que estamos todos interconectados, é uma sorte podermos rumar até o extremo do nosso mapa e fazer parte de uma caminha macro-ecumênica, de receber leves toques na mente sobre nossas atitudes e ainda tomar certeza de que somos irmãos uns dos outros, em meio a palmas, orações, cânticos, mantras, tambores, chocalhos, incensos e abraços.


Danças e vozes, de todos para todos.
Essa dádiva, que ocorre há 17 anos, tem sido uma missão. Senti na pele esta verdade – a correria da equipe de produção, pessoas solícitas, simpáticas, verdadeiras e de sorriso aberto, prontas a lhe ajudar; a comodidade dos transportes que nos levavam até nossos locais de palestras, o atendimento e a solução rápida de pequenos atrasos e desencontros ocasionais; gente preocupada com horários, gente por trás das cortinas que providenciava o funcionamento do som e imagem e até mesmo gente com pressa para não perder nenhum dos temas e oficinas que foram oferecidas. Quando me entrevistaram, creio que consegui deixar nítida minha grande satisfação em fazer parte desta família, mesmo dizendo que ainda não me situei – pois é, ainda não caiu a ficha de que vivi tantos momentos legais com tantas pessoas interessantes.


No saguão do Titão, com Lu Ynaiah, Sandra Ayana, Alex e Marcelo.
Seria injusto, por outro lado, se eu não citasse os grandes amigos que fiz e os que reencontrei por lá. Bom, quando você coloca o lenormando Alexsander Lepletier e o mestre sem cerimônias Pedro Camargo numa mesa, eu garanto: não tem como permanecer sério. É risada na certa! Aliás, foram ótimos nossos jantares, ainda mais com Alexey Dodsworth e Luis Pellegrini, editor da eterna revista Planeta, até depois do expediente no restaurante italiano.


O suquinho do Pedro no Carne & Massa.

Me encontrei com o Gian Schmid na feira de artesanato, visitei a sala do Mahikari, conversei com os hindus, passei do lado das rezadeiras e até tomei um super café na sala-camarim. Depois troquei uma idéias com o Mob, abracei bem forte a Íris e selei contato com as meninas da van. Pensei até num tarô de cordel com o Marcelo Bueno, depois de rirmos várias vezes com a Sandra Ayana. Tudo isso regado à energia do grande Biliu e outros ícones da música popular nordestina, com palmas de todos os lados.


2º Encontro de Tarólogos, lá no Teatro Municipal Severino Cabral. 


Isso tudo, porém, não é um relato sobre o evento. É apenas uma parte das minhas lembranças que guardei na caixa de memórias aqui do peito. Uma Nova Consciência, que nos pede para derramar as águas do passado e reciclar conceitos e atitudes. E claro, meus mais sinceros agradecimentos e meus parabéns, com muitos anos de vida para todos nós e para o Encontro. Para o reencontro conosco.



E que a Estrela brilhe cada vez mais, hoje e sempre!


Forte abraço em cada um,




Leo



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18 de janeiro de 2008

TAROT CAFÉ NO CAFÉ TAROT



Achei o maior barato quando vi: uma taróloga, dona de uma cafeteria, faz leituras para criaturas fantásticas que precisam de auxílio em questões amorosas e misteriosas. Mil aventuras com direito a dragões, fadas, sultões, princesas e lobisomens. Este é o Tarot Café, um manwha da coreana Sang-Sun Park que invadiu o país nestes últimos meses.

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Assim que conheci a obra me senti no dever de escrever sobre ela. E claro, aproveitando para dizer que não existe nenhuma relação entre a HQ e o nome do blog, ao contrário do que pensam alguns visitantes fanáticos por ela. Até então eu não tinha notícia de um trabalho que se utiliza das cartas e de seus reais significados para contar uma história. O legal é que existe plena sintonia entre as tradicionais palavras-chave dos arcanos e a construção narrativa, que não é fácil de ser feita se não houver conhecimento prévio. Enquanto escrevo uma série de estudos sobre quadrinhos e tarô, vejo a falta de associações convincentes – nem sempre o tarô é retratado como objeto de trabalho e, ainda, como ferramenta de auxílio aos outros. Eis a exceção.



Bom, sobre a estética de Tarot Café, se você prestar atenção, vai perceber nítidas diferenças entre o mangá (traços bem trabalhados e agressivos) e o manwha, com sua aparente delicadeza. Manwhas são os quadrinhos que representam 25% das vendas no mercado de livros de seu país, a Coréia. Além de milhões de usuários, assinantes de quadrinhos online e outros milhões de leitores de webcomics gratuitos, tem sido visto como um fenômeno comercial que promete rivalidade aos mangás japoneses nos Estados Unidos. Aliás, é visível a influência norte-americana nos letreiros e nas revistas que os personagens manuseiam. São também pincelados alguns momentos da história medieval européia em que alguns baralhos já existiam. A pesquisa pode não ter sido primorosa aos olhos de um estudante sério de tarô mas convence, porque é entretenimento.


Entre os baralhos utilizados estão o Aquarian, o Secret, Art Noveau
e até o Visconti-Sforza da LoScarabeo.


IMPRÓPRIO PARA MENORS DE 14 ANOS”, diz a contracapa. Há controvérsias, pois mesmo os jovens podem não compreender a linguagem dos capítulos e a descrição dos arcanos de acordo com o enredo. Esse detalhe, eu opino, é o que mais valoriza a obra – a intenção de levar elementos reais (as cartas e seus conceitos, utilizados por milhões de pessoas em todo o mundo) ao mundo fantástico da imaginação que os quadrinhos permitem criar. Por outro lado, o público mais maduro pode considerar criativa a idéia, porém ridícula artisticamente. Não tem o estilo todo detalhado como dos gibis americanos (e japoneses, claro), com suas páginas cheias de riscos e cores. Um outro ponto importante é a homossexualidade sugerida em cada edição, mostrando um lado diferenciado da maioria das publicações. Amores e tristezas estampados nas cartas da protagonista Pamela.


Ressalto que, mesmo trazendo imagens vivas e o próprio uso do tarô como profissão – ou talvez como missão da personagem – o Tarot Café é uma história em quadrinhos com a função de entreter. Não serve para aprender tarô, mas com certeza tem despertado o interesse de muitos leitores ao redor do globo. Vale a pena lê-la, tanto pela pesquisa cultural quanto pela constatação de que o tarô é respeitado em um trabalho de ficção que atinge diversos tipos de público, sem falar no reconhecimento mundial.


Já volto com mais contatos entre tarô e quadrinhos.
Por ora, fique com o Tarot Café. Mas não esqueça do Café Tarot.
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TAROT CAFÉ é publicado no Brasil pelas editoras
LUMUS e NEW POP – São Paulo.

23 de dezembro de 2007

O TARÔ EM PESSOA

INTERPRETANDO A MENSAGEM DO GRANDE POETA PORTUGUÊS

Arte nas ruas de Lisboa, por Jef Aerosol
http://www.flickr.com/photos/jefaerosol/

Fernando Pessoa é místico por natureza. Também por palavras, por astros e por heterônimos que lhe desdobram em mil e expressam vidas exclusivas, exatamente como lâminas de um baralho. Atuam e interferem umas nas outras oferecendo destinos, orientações e outros símbolos. Mais e mais símbolos, cada vez mais.

Geminiano, dedicou-se ao estudo da filosofia clássica e contemporânea, sofrendo influências de Baudelaire e do movimento simbolista assim que começou a escrever. Seus estudos de ocultismo englobam toda a sua obra. Caminho mágico, caminho alquímico. Transmutações da própria personalidade. Como astrólogo, introduziu Plutão às cartas. Daí o caráter revolucionário, influência direta do planeta – desbravador de novos mares, tanto os literários e lingüísticos quanto os esotéricos e pessoais. Ou melhor, "pessoanos".

Capa da Revista Orpheu e matéria publicada em 1928.

Modernista, investe palavras na Orpheu, uma publicação pra lá de curiosa para quem tem os olhos atentos de cartomante. Na ilustração de capa da primeira edição, assinada por José Pacheco, vê-se uma mulher entre duas velas, como se fossem pilares – nítida associação com a Sacerdotisa do tarô, a Senhora dos Mistérios que, em “O Último Sortilégio” da obra ortônima “Cancioneiro”, marca presença nos versos de uma iniciada. Eles descrevem práticas de magia ritualística, um assunto que Pessoa dominava muito bem.


Crowley & Pessoa
Jésuz Fernández Jiménez
http://www.jjfez.com/

Aliás, a amizade com Aleister Crowley não pode deixar de ser mencionada. Entre mapas, nevoeiros e auroras douradas, o encontro em Lisboa foi bem mais que obscuro. Fico aqui pensando que "Psiquetipia" foi escrito logo depois de ter conhecido e analisado não só os dados astrológicos mas também os modos e os arcanos nas mãos do mago, mesmo que assinado pela pena de Álvaro de Campos. Pense nas próprias lâminas e leia o trecho.

“Conversa perfeitamente natural... Mas e os símbolos?
Não tiro os olhos de tuas mãos... Quem são elas?
Meu deus. Os símbolos... Os símbolos...”


Pois é, sempre me questionei: “qual teria sido o contato de Pessoa com o tarô? Como, aliás, perceber os arcanos em uma obra tão vasta, tão interrogativa e enigmática?” Bem, a resposta estava na própria pergunta. O tarô é um enigma se pensarmos em sua trajetória histórica, esotérica, simbólica. O poder das imagens que se tornam palavras. Palavras que traduzem imagens. Próprias. Íntimas. Secretas.

Então, se penso nos símbolos, sigo as pistas. Afinal, “tudo são símbolos”. Reparo, então, na famosa anotação que antecede o livro "Mensagem", escrita especificamente para decifrar o conteúdo da obra, recheada de sinais divinos e patriotas. Na verdade, este documento parece ter sido escrito especificamente para os profissionais e estudantes dos arcanos. Longe, então, das intenções sebastianistas e nacionalistas que o autor propôs ao seu estudo, a nota se torna um exercício de interpretação ou mesmo um manifesto que contribui à codificação das cartas e à compreensão do caráter essencialmente polissêmico de seus símbolos. Um documento valiosíssimo que merece atenção, pois infalivelmente contribui para a jornada individual do estudante.


NOTA PRELIMINAR
Apontamento de FP, s.d.; não assinado.


Biratan
http://www.biratan.com.br


“O entendimento dos símbolos e dos rituais (simbólicos) exige do intérprete – o tarólogo – que possua cinco qualidades ou condições, sem as quais serão, para ele, mortos, e ele um morto para eles. A primeira é a simpatia, em grau de simplicidade e conformidade com as citações. Tem o intérprete que sentir simpatia pelo símbolo que se propõe interpretar. Nesse quesito se enquadra a escolha adequada do baralho, a plenitude e sinceridade do desejo de optar pelas imagens a que se propõe a analisar. A atitude cauta, a irônica, a deslocada – todas elas privam o intérprete da primeira condição para poder interpretar. Cabe aqui a postura de respeito e fidelidade aos arcanos e à prática oracular. Somente pela verdadeira vontade e por constantes e sérios estudos é que as imagens passam a fluir na alma e no cotidiano do indivíduo disposto.


A segunda é a intuição. A simpatia pode auxiliá-la, se ela já existe, porém não criá-la. A dedicação autêntica e continuada das análises promove insights, aberturas mentais e emocionais a outros níveis de interpretação e de capacidade narrativa, mas não nasce repentinamente; quando plantada, exige cultivo e cada arcano espalhado sobre a superfície de leitura. Por intuição se entende aquela espécie de entendimento em que s sente o que está além do símbolo, sem que se veja. Noções diversas sobre diversas situações, explicações e captações lingüísticas por meio da arte – eis a finalidade desta condição. Há de se tomar cuidado com projeções que se jogam ao olho mental, iludindo os menos e os muito preparados.

Heterônimos de Pessoa por Almada Negreiros,
Faculdade de Letras de Lisboa.

A terceira é a inteligência. A inteligência analista decompõe, ordena, constrói noutro nível o símbolo; tem, porém, que fazê-lo depois que se usou da simpatia e da intuição. Essa é a premissa básica para estabelecer associações entre as cartas e a cultura, a realidade palpável, às paisagens, aos fatos históricos e até aos imaginários. A inteligência arcana se traduz em criatividade lúdica, representativa e inovadora de quaisquer elementos que se queira abordar simbolicamente. Um dos fins da inteligência, no exame dos símbolos, é o de relacionar no alto o que está de acordo com a relação que está embaixo – o próprio ofício d´O Mago. Não poderá fazer isto se a simpatia não tiver lembrado essa relação, se a intuição a não estiver estabelecido. Então a inteligência, de discursiva que naturalmente é, se tornará analógica, e o símbolo poderá ser interpretado. Eis então o próprio ofício do leitor, que deve aproximar, com estilo, a vida estática das estampas às horas da vida material, sentimental e espiritual para extrair lições e orientações quando solicitadas.


“O MAGO POETA”, arte do autor
a partir da pintura de Almada Negreiros, de 1954.

A quarta é a compreensão, entendendo por esta palavra o conhecimento de outras matérias, que permitam que o símbolo seja iluminado por várias luzes, relacionado com vários outros símbolos, pois que, no fundo, é tudo o mesmo. O poder da analogia e da convergência entre disciplinas, conceitos e sistemas diferentes. Alude ao estudo interdisciplinar ao qual o tarô é sujeito, já que trabalha a interdependência simbólica e a evolução de significados sem alterar, diretamente, o fenômeno analisado. Não direi a erudição, como poderia ter dito, pois a erudição é uma soma; nem direi cultura, pois a cultura é uma síntese, e a compreensão é uma vida. Compreender o tarô demanda tempo e maturidade. Exige dedicação e uma determinada carga cultural do estudante, que passará a assimilar emoções, desejos e impressões às cartas após a análise descompromissada das mesmas. A compreensão se dá pela ingenuidade visual, ao olhá-las livres de qualquer significado imposto pela experiência alheia. Aliás, seriam elas uma síntese do mundo? Seriam potenciais, tendências da realidade através dos tempos? Ou então a memória do divino universo da alma? São questões precisas que promovem respostas individuais e coletivas. Assim, certos símbolos não podem ser bem entendidos se não houve antes, ou ao mesmo tempo, o entendimento de símbolos diferentes. Daí a importância dos estudos de literatura, filosofia, de religiões e de história da arte e do mundo. Para que os arcanos sejam “inteiros” nas mãos leigas, faz-se necessária a longa jornada de pesquisa – das origens de tais signos e significantes, de suas migrações e transformações ao longo dos séculos e das diferentes concepções artísticas. Esta quarta condição, que acaba sendo rara e verdadeira qualidade, apenas se torna nítida com o passar do tempo, quando desenvolvida e concretizada a intimidade e o gosto por deitar as lâminas. Exige, portanto, coerência e visão global. É a interpretação da vida. A compreensão dos mecanismos que sustentam o espírito do universo – sobretudo o humano.


A quinta é a menos definível. Direi talvez, falando a uns, que é a graça, falando a outros, que é a mão do Superior Incógnito, falando a terceiros, que é o Conhecimento e Conversação do Santo Anjo da Guarda, entendendo cada uma destas coisas, que são a mesma da maneira como as entendem aqueles que delas usam, falando ou escrevendo.” Menos definível porque, como a Beleza, insinua-se para poucos; apenas para as almas despertas. Menos definível pois só é constatada quando se joga e quando se escreve. É a transcendência do tarô. O dom de manipular as palavras – escritas e faladas que nascem da observação das cenas ilustradas em cada peça. Augúrios e presságios que são sussurrados e afloram no tempo certo. Qualidade de quem decodifica seus símbolos mais íntimos e os respeita. Como cartas. Como vidas. Como divindades. Como magia. Como profissão. A própria adivinhação e as revelações que indicam o norte ao consulente. Rotas de orientação que quando contempladas, oferecem conselhos e escolhas. Ferramenta do destino, alegoria da imaginação.

Símbolos. Pessoas.
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REFERÊNCIAS E RECOMENDAÇÕES
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LIVROS
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Pessoa, Fernando. Mensagem. Coleção A Obra-Prima de Cada Autor.
Editora Martin Claret, São Paulo, 2007
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Pessoa, Fernando. Poesias Ocultistas, 2ª edição.
Editora Aquariana, São Paulo, 1996.
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SITES
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Artigo de Izabel Margato, disponível na Cátedra/PUC-Rio.
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Imagens sem legenda encontradas no deviantArt ou no Google Imagens.
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Boa parte da obra poética de Fernando Pessoa pode ser degustada na Revista Agulha.
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22 de novembro de 2007

SÃO PAULO - RETA FINAL DA TURNÊ 2007

Tem sido um vai-e-volta tremendo. Estudo bastante, trabalho um pouco e lá estou eu de novo, nos metrôs e calçadas da Paulista. Festa, vinhos, risos e pratos que compõem meu mosaico particular de viagem.

Gostei das cenas dramáticas de Marion Cotillard no HSBC Belas Artes, que já nos deliciou com sua atuação em "Um Bom Ano" e "Eterno Amor". "La Môme" é indispensável, até porque as cartas estão presentes - a preocupação de Edith Piaf quanto ao seu amado Marcell diante da melhor cartomante de Paris. Conhece aquela "No Je Ne Regrette Riem"? Não me sai mais da cabeça.

Sim, eu recomendo os dois.

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Ah, uma pausa para o sagrado café da tarde, claro. Com qual arcano se parece a pequena sereia do Starbucks? Só sei que é inspirada em Melville.
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Yes, já chegou na terrinha.

Já me acostumei com panfletos, ingressos, bilhetes, passagens, moedas, livretos e catálogos que se alojam em minha mochila. Não esqueci de pedir marcadores de páginas depois de alguns quilos de livros que fui garimpando na Cultura do Conjunto Nacional. Até mesmo um prateado tarô de Mantegna me escolheu!


E uma peça do mosaico.
Bom, valeu a pena também o "1408" com John Cusack, íntimo d´A Morte. É claro que só podia ter dedo de Stephen King no meio. Ou melhor, no início. Mas no fim, percebi que sempre me delicio com a rotina gastronômica do meu ristorante favorito da Pompéia. Tudo me chama de volta. Sou grato por isso.
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Pois então, Jodorowsky vem aí. Melhor correr.
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Volto logo, viu?
Mesmo.
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Leo

28 de outubro de 2007

CARTAS À PASTORA DE NUVENS


Arte do autor com desenho de Arpad Szènes.

A vida é pura poesia. Custa acreditar nessa verdade. Incontestável, eu diria. Como a maioria das minhas leituras, a Antologia surgiu com o vento em uma tarde branca e gelada. Me envolveu como o silêncio, há mais de cinco anos.

Confesso que agora é impossível deixar de ver as estampas por entre as letras e versos – nem tento mais, desisti de qualquer separação. As cartas colorem os poemas. Analogias, lembranças, assimilações. A crônica do homem em lâminas de papel. E aqui, nas crônicas da viajante, da poeta. Sim, os arcanos também estão em Pessoa, em Lispector, em Suassuna. Mas em Meireles, eles circundam cada elemento, estão presentes em toda tentativa (e êxito) de captação poética da realidade, do encantamento, dos sonhos e da Beleza – essa compreensão superior da vida.

Prefere ser chamada de poeta por rimar com sua verdade: “completa”. Viaja pela história dos países, evoca sabores, cheiros e aromas pelas palavras e imagens. É simbolista por natureza – e pela natureza – das coisas, da vida. Como aqueles que brincam com mistérios embaralhados e viram xícaras de café durante manhãs e tardes, rodeados de bucolismo, de paganismo, de atualidades.

Cecília Meireles no Tarô” – arte do autor baseada na pintura de Vieira da Silva.

Pois se falamos das coisas da vida, falemos então das suas cartas. O Louco* sopra ao seu ouvido por debaixo dos esboços e canetas. Os arcanos falam, saiba você. Cecília é um arcano sem número – não é turista, mas viajante. Andarilha do mundo, quer morar em cada coisa, descer à origem de tudo. Amar (loucamente, claro) cada aspecto do caminho, desde as pedras mais toscas do penhasco às mais sublimadas almas do passado, do presente a até do futuro. Estes três, aliás, são as engrenagens mais conhecidas do tarô. A trindade da existência. Por certo, Cecília escolhe a lâmina do meio: O presente abarca tudo: o presente, e só ele, abarca tudo. Tempo é estar sendo. Não há passado/ nem futuro./ Tudo que abarco se faz presente.”

O Mago (Ancient Italian Tarot)

E invoca, portanto, O Mago. Com ele descobre o dom das palavras. Pode escrever qualquer coisa – serena, isenta e fiel. Reúne as multidões; encanta-as. Abre o mundo por mil portas simultâneas. Pára o tempo. Conquista-nos pelo sereno contato e se admira com o tempo humano por sua grandeza e precariedade.


A Sacerdotisa (Thoth Tarot)

A Sacerdotisa é a menina translúcida, ela própria. “Um rosto na noite larga/ de altas insônias/ iluminada.” Seus ouvidos são como conchas sonoras: música perdida nos pensamentos, na espuma da vida, na areia das horas. Flutua entre algas e peixes a noite inteira. Escuta essas almas, que são de todos os afogados. O segundo arcano maior reflete – como espelho d´água – a efusão amorosa, a profunda identificação da poeta com a ambiência física e espiritual. Revela cânticos – sua aspiração à eternidade, inspirada pela realidade. Surge a Vênus na minha cabeça.

A Imperatriz (DruidCraft Tarot)

Não há eternidade sem vidamorte. Entre elas, claro, o amor. Eis que tira do leque A Imperatriz. Então as árvores aparecem com flores e frutos e aqui está a vida – seu retrato natural. Uma flor de vez em quando/ no ramo aberto. À beira d´água mora e a flor nas águas solta. “E uma pequena brisa cálida/ flutua sobre as árvores da aldeia/ como o sonho de um pássaro”. E aqui estão seus olhos nas flores, seus braços ao longo destes mesmos ramos. É a mãe, a mulher, a poesia. Eis a própria Beleza.
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O Hierofante (Secret Tarot)

Belas são as lembranças que O Hierofante lhe traz. Fé, religiosidade, Índia, Tagore e Gandhi. Fundamentais as influências do Oriente em Meireles. Fala-se da tessitura de sensações aliada ao tempo, ao sonho. “Refazer com imaginação todas as coisas que acontecem por estes lugares”, sentir o que está guardado dentro dos nomes das cidades e vilarejos. Suas línguas, suas heranças espirituais. Diáfanas e esquecidas, eternizadas pelas imagens que as letras transcrevem. Sua religião é Deus em poesia. “Para além de hoje e outrora,/ veremos os Reis ocultos/ senhores da Vida toda,/ em cuja etérea cidade/ fomos lágrima e saudade/ por seus nomes e seus vultos.” É em seu Romanceiro, aliás, que ela suplica aos santos. É em vida que lhes dedica pequenos oratórios. “Com as mãos no altar, o acender luzes/ pés na fria pedra.” É Clara a sua luz.

O Carro (Minchiate Tarot)

E são d´O Carro, agora, as próximas idéias e sentimentos da viajante imaginativa. Com um veículo em perfeitas condições e estradas bem sinalizadas, pode-se ir até o fim do mundo sem se perguntar nada aos outros. A certeza e o silêncio. A liberdade, palavra que não há quem não entenda. Ela observa e sente as carruagens, as gôndolas, os barcos e bicicletas que passam. Veículos que demoram a chegar ao seu destino – e assim alongam-se as direções e os horizontes, perfuram-se dicionários, procura-se raízes, descobre-se mundos históricos, filosóficos, religiosos e poéticos. De igrejas, deuses, reis, imperadores, santos e anjos que lhe acenam quando, por acaso, não estão entretidos uns com os outros em fábulas, evangelhos, poemas e hinos celestiais. Não há sossego para a viajante, que questiona a si própria: “Cavalo e cocheiro, tu e eu: estaríamos acordados ou dormindo? Vivos ou mortos? E quem éramos, com certeza, fora do nosso nome, do nosso passaporte, das relações que ao longe conversávamos – tão longe, além de tantos mares e montanhas...?” Questiona mas aceita, pois essa é a sua meditação. Deixa que ele a leve por onde quiser. Ele também é um artista. "Como não há de ser artista um homem habituado a conduzir o seu carro - ofício, aliás, de Apolo - por entre vetustos palácios, ao longo de velhas ruínas, com o presente misturado a um passado de glórias e derrotas, conhecendo (a seu modo) imperadores e santos...?" A poeta conhece as cartas.

O Eremita (Haindl Tarot).

Então chega um momento em que ela quer solidão. Viaja sozinha com o coração, por isso a carta agora é O Eremita. Ela se desencontra, leva o rumo na mão. Mas e a memória, o amor e o resto, onde estarão? Este é o Arcano-Tempo. “A memória voou de minha fronte./ Voou meu amor, minha imaginação”. Seu ermitão vem de dentro – “Era um homem tão antigo/que parecia imortal. Tão pobre/ que parecia divino”. Tempo escasso, mas “inventado/ sonhado,/ mas vivo, existente.” Testemunha passageira, como um transeunte da alma. Sua própria infância de menina, aliás, deram-lhe essas duas coisas positivas: “silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida”. Área mágica em que os relógios lhe revelam o segredo de seu mecanismo. Mas seu destino é ir mais longe que a própria solidão. Tão longe quanto a própria alma, onde se pode ser livre e isento. Atos além do sonho.

Por isso deve haver o descanso. O leque não será fechado até que a poeta alcance mais cartas-chave. Há muito a escrever e sobre muitos relatar em linhas tomadas de plenitude.



“No baralho bate o vento
e o jogo segue outras voltas.”


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Leo

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*RAMO DE CARTAS
Clique aqui para ler um poema de Cecília à luz do arcano O Louco
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MEIRELES, Cecília. Antologia Poética. Editora Nova Fronteira, 2001.
MEIRELES, Cecília. Crônicas de Viagem 2. Editora Nova Fronteira, 1999.


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IMAGENS
Google Imagens - http://www.google.com.br/
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2 de outubro de 2007

OS ANIMAIS DE PODER NAS CARTAS DE TARÔ


Susan Seddon Boulet em SHAMAN - 2007 Calendar
Pomegranate Communications, EUA

Eles estão por toda parte. Nas artes, nas histórias, nas religiões e, sobretudo, dentro de nós mesmos. Como arquétipos, representam as camadas profundas do inconsciente e do instinto. Forças cósmicas, materiais e espirituais. O termo "animal", do latim anima, tem o sentido de fôlego vital, conjunto de energias profundas que nos dão a vida.

O tarô, enquanto sistema vivo de energia derivado do acervo coletivo da humanidade, agrega seres de todos os tempos em suas antigas e eternas imagens. Se o considerarmos uma teia de relações biológicas, sociais e até mesmo espirituais, podemos perceber que nele está inserida até mesmo a interação entre nós e os animais. É um instrumento de socialização, uma verdadeira ferramenta de religação com a Terra por meio de infindáveis associações simbólicas com a biodiversidade, com Gaia.



Quer saber mais?
Então leia o artigo na íntegra em TRIBOS DE GAIA,
na minha coluna de estréia.



Grato aos administradores e leitores.

Abraços,


L.

3 de setembro de 2007

UMA CARTA DE ANIVERSÁRIO

Há exatamente um ano surgia o Café Tarot.
Obrigado aos amigos e profissionais pela inspiração inicial, aos que lêem, interagem, discordam e sempre me escrevem e aos consulentes, todos companheiros de jornada que degustam o blog desde o seu nascimento.
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Agradeço ainda aos que destilam críticas infundadas por motivarem, inconscientemente, o aprimoramento de cada postagem, sabendo que o profissionalismo, o respeito e a autenticidade são os mais eficazes antídotos.
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E também aos visitantes de Portugal, Itália, Estados Unidos e Japão.
Muito, muito grato. Vida Longa! Aguardem as novidades.
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A Apollo,
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